Liturgia
do Décimo Quinto Domingo do Tempo Comum)
Sempre que me vem a tentação do
desânimo na caminhada pastoral ou dos projetos e iniciativas, por causa das
dificuldades que, às vezes, são obstáculos para a caminhada, procuro não ceder,
justamente por causa do texto do Evangelho deste décimo quinto domingo do Tempo
Comum (Mc 6,7-13).
Na realidade nos faz relembrar
sempre de novo que o Senhor é o dono da Vinha! Ele é quem proverá tudo aquilo
que precisamos! Em nós, de fato, deve permanecer apenas o desejo de fazer
substancialmente, aquilo que Ele ordena, no mesmo estilo, fé e amor como Ele
fazia e faz!
Não podemos, no entanto, ignorar
que hoje o nosso trabalho pastoral e a nossa missão está, por vezes, contaminada
por vários “supérfluos” que procuramos justificar sempre como necessidades da
modernidade, e com a lógica perversa dos fins, para os quais são permitidos
todos os meios, não tendo, portanto, claro o que é, de fato, essencial à nossa missão.
Certamente não se coloca em discussão
os meios bons, isto é, aquilo que nos ajuda a trabalhar e a desempenhar de um
modo melhor a nossa missão! Mas é
preciso colocar em discussão sim, todos aqueles meios atrás dos quais se escondem
a nossa eficiência, carreirismo, desejo de sucesso, privilégios e, sobretudo o desejo
de possuir bens e dinheiro.
É contra toda essa busca por
eficácia, carreirismo e desejo de poder que contamina hoje até mesmo a nossa
missão, que nos é dado hoje o remédio neste Evangelho do envio, sem meias
medidas, no estilo da missão evangélica da Igreja!
Hoje Jesus nos manda Ir dois a
dois, no estilo judaico (Mt 18,16). Trata-se do testemunho crível da nossa fé,
da nossa salvação e batismo comum. Dois é o mínimo para os irmãos que não devem
e não querem permanecer sozinhos, testemunhando que o “terceiro” é o próprio
Jesus que permanece sempre no meio deles. “Onde
dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei aí, no meio deles” (Mt
18,20 – Heb 10, 28), afirmando, ao mesmo tempo, que o nosso Deus tem o desejo
de ser o outro, e que ninguém é destinado à solidão, seja ela forçada ou
voluntária, porque a salvação que testemunhamos não é uma teoria humana, mas
destino divino.
O cajado que todo peregrino deve levar
é mais do que um simples objeto de apoio. É a memória bíblica do maior evento de
salvação em que se transforma a história da humanidade. É um cajado que pode
fazer a diferença, separando as águas de um mar, fazendo jorrar água de pedra,
e ainda recordar o lenho da cruz, no qual Deus sela a vitória sobre a morte.
O bastão ou cajado é esse símbolo
forte para edificar, não para constranger ou agredir, mas para dar apoio e todo
o sustento à nossa fraqueza que é também a nossa força (2Cor 12, 9-10). É esse
símbolo que nos lembra que, cedo ou tarde, todos temos necessidade de uma
ajuda, um auxílio.
As sandálias calçadas são a única
defesa de quem deve caminhar muito. Elas garantem a possibilidade de atravessar
o mundo inteiro sem levar ou fazer o mal. São o símbolo da coragem do homem de
Deus que não teme ir lá onde Deus o envia. Geralmente, as tiramos dos pés quando
entramos em casa, deixando a poeira do lado de fora, impedindo que toda a “poeira”
que não pertence à nossa dignidade e santidade, e que às vezes se prende no “recinto”
sagrado da nossa fé e da nossa salvação, colocando-a em perigo, a destrua.
Simbolizam também a coragem com a
qual precisamos nos calçar, ainda que tenhamos que caminhar sobre brasas
ardentes, quando temos que ir onde não gostaríamos de ir.
As sandálias não escondem a
beleza dos pés daqueles que anunciam a salvação. Pés missionários que nos
lembram também que, justamente porque usam sandálias, não criam um escudo
impenetrável, e dizem, ao mesmo tempo, que devemos estar prontos a arriscar
sempre algo da nossa segurança, que a nossa força está em Deus e não em nós!
Se Jesus nos diz o que levar, por
outro lado, nos diz o que não levar, porque seria inútil à missão que devemos
enfrentar.
Não levar pão é uma das
recomendações. Esse pão não seria fruto da Providência, mas do nosso desejo de
providenciar as próprias seguranças, confiando mais em nós do que em Deus. É um
pão inútil porque não se destina à partilha, mas à nossa própria necessidade.
Parece que Jesus envia os seus,
fazendo-os passar por uma prova em preparação àquele único Pão que é bem mais
do que simples pão e bem mais do que qualquer sustento que possamos
providenciar. Trata-se daquele Pão que pode vir somente do Céu e que é enviado
para que confiemos na Providência. Esse pão não elimina apenas o medo de
morrer, mas vence a própria morte. Como ensina Inácio de Antioquia, é “moeda
para a imortalidade”! É o Pão verdadeiro, sinal de Sua misericórdia e único tesouro
que somos autorizados a levar sempre, mas que, infelizmente, às vezes
confundimos com o pão que nós mesmos providenciamos, e já não o buscamos como
deve ser buscado!
Seria uma contradição rezar ao
Pai pedindo que nos dê “o pão nosso de cada dia” e depois querer levar sacolas
do nosso próprio pão!
Não levar duas túnicas! Obviamente
inútil, simbolizam a imagem do que, realmente, é supérfluo, como roupagens que
servem para satisfazer não apenas a necessidade básica de cobrir-se, mas um
projeto pessoal de previsão, de planejamentos e de cálculos que tem o objetivo
de endossar e aparentar que estamos sempre prontos, limpos e fortes para qualquer
ocasião, mesmo que percamos a “ocasião” de Deus, que é a ocasião certa. Isto é,
o hoje no qual o meu Senhor me acolhe com uma única túnica, sinal da minha
identidade, dada por Ele no dia do meu batismo.
A Ele não importa que esteja
amarrotada ou bem passada, porque apenas as coisas que usamos, de fato, dão
testemunho do verdadeiro trabalho que realizamos, ou seja, o bem que fazemos, a
nossa verdadeira dignidade.
Se essa única túnica é a nossa única
identidade, então, temos que nos perguntar: conheço, de fato, a minha dignidade
cristã? Tenho consciência da minha pertença Àquele que me envia? Confio ainda
numa dupla identidade que providencio para mim mesmo com o único objetivo de
aparentar o que não sou diante de Deus e das pessoas?
Nem
dinheiro na cintura é aconselhado levar. Portanto, renunciar ao dinheiro é uma
condição existencial mais do que material, ainda que se deva renunciá-lo também
materialmente, para permitir que o ser transpareça em nós, ao invés do ter.
O
dinheiro é a somatória de todas as nossas exigências de autonomia e de egoísmo.
A começar com o egoísmo para com Deus e o próximo! É a principal preocupação
tanto do pobre como do rico.
Ele
é capaz de nos “roubar”, possuindo o nosso ser, desorientando a nossa alma,
confundindo a nossa fé e confiança na Providência e alimentando a nossa sede de
poder!
É
verdade que com o dinheiro se pode fazer muita coisa boa. Aliás, o dinheiro
sempre nos dá a oportunidade de fazer o bem! Infelizmente, o mal também! Mas ele
pode tornar-se providência para alguns necessitado, pode ser sinal de esperança
para outros. Mas qual é o preço que devemos pagar, quando nos dedicamos a
conseguí-lo a qualquer custo como um recurso poderoso para ter poder?
O
perigo do dinheiro é que ele pode tornar vã a nossa missão, subornar a
santidade e a dignidade humana, e ainda mais, pode fazer com que as grandes
obras de caridade tornem-se “empresas”, tais como sociedades anônimas que, como
enormes serpentes de ouro que engolem a própria cauda, substituem todo e
qualquer objetivo benéfico pelo bem supremo das suas próprias existências.
Uma das maiores acusações que se
voltam contra nós e à nossa missão, diz respeito à combinação Igreja-riqueza. Ainda
que a maioria das acusações sejam inoportunas ou inverídicas, diante de um estoico
e concreto esforço eclesial em favor dos mais sofredores e injustiçados,
devemos considerar o testemunho de tantos santos que fizeram resplandecer a
glória de Deus, através de uma vida obediente, casta e pobre.
São eles que hoje nos ajudam a
examinar a nossa consciência de missionários, religiosos, religiosas, leigos
engajados e então, perguntar-nos: Essas acusações são, de fato, injustas? Será que
não teríamos nada a melhorar a esse respeito? Será que conseguimos renunciar alguma
coisa para “ganhar” o mundo inteiro”? Sabemos “morrer” para viver e “perder”
para ter, verdadeiramente?
Como seria bonito levar a sério,
realmente, o Evangelho de hoje e seguir o seu conselho literalmente! Talvez uma
nova credibilidade nos ajude a ser ainda missionários do Reino, portadores da
Palavra de salvação e de cura!
Quem sabe se algum pobre de bens materiais
ou de espírito encontre, concretamente, um pouco de alívio no nosso supérfluo,
feito de bens materiais, contas bancárias, riquezas que a “traça corrói” e quem
sabe, algum missionário, livre das preocupações de gerenciar casas, campos e
contas bancárias, consiga ser mais atento à sua missão?
Quem sabe se nos libertarmos dos
motivos dessas suspeitas e acusações, a fim de sermos mais fieis à missão à
qual fomos enviados pelo Senhor, não nos tornamos um pouco mais pobres de bens
terremos, porém mais ricos da força do alto. Quem sabe, assim, o Reino dos Céus
não se torna mais próximo? (Frei Alfredo
Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos –
formador@inacianos.org.br – Website: www.inacianos.org.br).
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