(Liturgia
do Trigésimo Domingo do Tempo Comum)
Toda vez que escuto o Evangelho
deste Trigésimo Domingo do Tempo Comum (Lc 18,9-14), tenho
a impressão, mais do que em outras parábolas, de estar eu mesmo ali, naquele
tempo e naquele contexto, olhando para aqueles dois homens solitários em
lugares diferentes daquele lugar sagrado.
Um deles é um fariseu, rigidamente
de pé, de cumpridor da lei. O outro é um pobre coitado, inclinado, sob o peso
dos seus pecados. Sinceramente, confesso
que às vezes também me sinto como o fariseu, mas com o desejo constante de ter
aquela simplicidade do publicano.
Creio que esta Palavra de Jesus
não quer tanto apresentar uma parábola
para ensinar “como” se deve rezar, mas pretende dar uma lição de vida.
É, de fato, o que se pode concluir,
a partir do que o próprio Lucas diz claramente: “Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria
justiça e desprezavam os outros”... Esta, de fato, é uma tentação
generalizada, um tipo de “doença” presente nas pessoas de todos os tempos.
O Papa Francisco de vez em quando
fala sobre este pecado que assume também as nuances de julgamento, de calúnia e
presunção.
A presunção sempre nos prega
peças e faz com que, todos os dias, tenhamos pelo menos uma oportunidade em que
queremos vestir a toga de juízes para condenar os outros, desprezando-os. Aliás,
presunção e desprezo são dois lados da mesma moeda.
O convite de Jesus, portanto, é
duplo. Primeiro, é claro, Ele quer ensinar como rezar, mas não só. Ele quer,
sobretudo, ensinar como viver, porque na parábola a oração é considerada como
um “espelho” da própria vida.
Se, de fato, somos “fariseus” na
oração, seremos também na vida. Se somos “publicanos” na oração, seremos
“publicanos” na vida. Trata-se, na verdade, de uma parábola no estilo de Lucas,
como os dois irmãos diante do Pai misericordioso, ou como na parábola do rico
avarento e do pobre Lázaro.
O fariseu da parábola nos faz
pensar numa certa categoria religiosa observante, escrupulosa e escrava de um
formalismo exterior, não aberta à novidade trazida pelo Evangelho de Jesus,
quase sempre em polêmica com Jesus.
O publicano, ao contrário, nos
recorda uma categoria social, a do cobrador de impostos, duplamente odiado pelo
povo. Primeiro, porque é símbolo de uma política injusta e depois, porque é um
judeu “vendido” para o poder de Roma.
Mas Jesus, na parábola, não quer
condenar ou salvar uma categoria social, porque o bem e o mal não se definem
pela pertença a uma ou outra classe social, política ou religiosa. Jesus se
limita a lançar um foco de luz sobre as duas atitudes, tanto de oração como de
vida, de dois homens que subiram ao templo para rezar.
O que Jesus encontrou ali é o que encontramos todos os dias, isto é,
uma experiência que todos fazemos em nossas igrejas e comunidades. O fariseu é
o homem de todos os tempos que encarna um tipo de oração que termina sempre em um
monólogo, sem nunca se tornar o diálogo. Ele até começa bem, agradecendo, como
o leproso curado de dois domingos atrás.
Mas infelizmente, logo a sua
oração toma um rumo feio e morre. É isso o que acontece com quem têm o coração
cheio de si. Há quem crê que, graças às suas práticas exteriores, Deus lhe deve
mais.
O fariseu é a imagem de um homem
ancorado no passado, aos hábitos estéreis, à prática do bem sem coração,
incapaz de abrir-se à novidade do amor. Deus torna-se, nesse caso, apenas uma
ocasião para que ele fale de si mesmo, no império do seu “eu”. Parece mesmo com
muitos momentos de nossas vidas, em que somos os mestres de tudo e não tomamos
consciência de que somos escravos de nós mesmos.
"O publicano, pelo contrário,
não ousava nem levantar os olhos para o céu. Ele sentia o peso da infinita
distância que a sua vida está com relação a Deus e sabe que isso só poderia ser
superado através da misericórdia de Deus. Pede perdão com a esperança humilde
de obtê-lo. Porque somente quando nos esvaziamos de nós mesmos podemos acolher
a Deus.
Eis, portanto, a chave de toda a
mensagem deste domingo, a humildade. Uma palavra não só impopular, mas quase banida
da linguagem das pessoas do nosso tempo. Coisa de frades e freiras, pensa-se
comumente. Pessoas que fizeram o estranho “salto” para um outro mundo.
Porque hoje é um imperativo viver
a vida vivida debaixo dos holofotes e refletores do poder, e no centro das
atenções. Mas sem humildade não é
possível encontrar Deus.
Somente uma oração verdadeira é
capaz de mudar profundamente a vida, abrir o coração à resposta de Deus e
torná-lo disponível para a paz consigo mesmo e com os outros.
Na verdade é isso que fará com
que cruzemos os árduos obstáculos da nossa existência quotidiana. Isso só
acontecerá quando aprendermos a lição que Jesus quer nos ensinar hoje, isto é,
quando compreendermos que somente quando nos considerarmos perdedores poderemos
vencer na grande prova do amor.
Portanto, aqui está a maravilhosa
conclusão do Evangelho de hoje: o publicano voltou para casa "justificado".
Jesus não disse que ele voltou apenas "perdoado", mas
"justificado". É exatamente isso que acontece conosco quando
recebemos a graça do Espírito Santo através dos sacramentos.
Deus não só nos dá o perdão dos
pecados, mas, graças a paixão, morte e ressurreição de Cristo – que abriu para
nós o caminho da vida – opera poderosamente em nós santificando-nos e renovando
em nós o homem interior.
De acordo com o Catecismo da
Igreja Católica (n° 1994) a “justificação” é definida como a obra mais
excelente do amor de Deus.
Mas quem se relaciona com Deus e
com a vida como o “fariseu” está fechado a esta obra da Graça. Para estes, como
para o rico da parábola, mesmo tendo recebido a morte e a ressurreição de
Cristo, a sua vida não muda!
Deus deseja para nós esta
esplêndida ligação entre a sua Obra e a nossa liberdade. O publicano, com os
olhos baixos, abriu o coração a este encontro e poderá olhar para Deus em todo
o Seu amor. Talvez hoje isso possa acontecer também conosco. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA - Missionário Inaciano - www.inacianos.org.br - formador@inacianos.org.br)
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