(Liturgia do Vigésimo Sexto Domingo do Tempo Comum)
“Assim diz o Senhor todo-poderoso: Ai dos que
vivem despreocupadamente em Sião, os que se sentem seguros nas alturas da
Samaria! Os que dormem em cama de marfim, deitam-se em almofadas, comendo
cordeiros do rebanho e novilhos do seu gado... os que bebem vinho em
taças...não se preocupam com a ruína de José. Por isso, eles irão agora para o
desterro, na primeira fila,e o bando dos gozadores será desfeito”!
O
Profeta Amós faz esta denúncia na primeira leitura deste Vigésimo Sexto Domingo
do Tempo Comum (6,1-4-7).
Este
triste quadro pintado pelo Profeta sobre a sociedade do seu tempo, guardadas as
devidas proporções, é o retrato do que também acontece em nossa sociedade hoje.
De
fato, as revelações mais incisivas que percebemos na denúncia é, em primeiro
lugar, que quem traça este quadro dos “despreocupados”, não é um sociólogo ou
um ativista político, mas é o próprio Deus.
Os “despreocupados”
de Sião se assemelham muito aos cristãos que se desviaram da mensagem de Cristo
e da Igreja. Já os que estão “seguros sobre a montanha da Samaria”, que aqui é
emblema do mal e da idolatria, se assemelham muito às pessoas da nossa
sociedade descristianizada.
Isto
é, eles comem, são assíduos sustentadores do consumismo hedonista e
materialista. Cantam. O problema não é cantar, mas esses preferem sempre os
mega-concertos, as boates e os estádios lotados ao silêncio de uma montanha ou
de uma igreja.
Bebem vinho,
e facilmente são capturados pelo uso de drogas e afins, ou se inebriam com toda
a sorte de mensagens midiáticas. São aqueles que “não se preocupam com a ruína
de José”.
Aqui o termo José pode ser
compreendido como o bem comum, deliberadamente ignorado, principalmente pelos
que ocupam as cadeiras da administração pública ou quando são responsáveis por
instituições públicas.
Nesse caso, quando se trata de
pessoas, de seres humanos, não cuidam e não se importam com o seu bem moral ou
espiritual.
Que
futuro pode ter uma civilização que vive assim? Obviamente, terá o mesmo futuro
do povo de Israel denunciado pelo Profeta. Será um futuro de exílio,
compreendido como o fracasso total ou parcial da própria vida pessoal e social.
Num
futuro assim está decretado o fim da abundância, da vida fácil e agradável,
pois o “vinhedo” de suas vidas e da própria sociedade será entregue a outros. Naquele
momento a “orgia” dos bons tempos acabará.
Acabará
porque esse tipo de sociedade está doente. Perdeu a vontade de lutar, apresenta
valores inúteis ou vazios diante das grandes questões humanas. É uma sociedade
que engorda e esbanja enquanto milhares passam fome. Uma sociedade que se
tornou “cristofóbica” e que não tem fé, que transformou a liberdade em puro
permissivismo!
Diante de uma situação assim escandalosa, a Palavra
de Deus propõe um manual a ser seguido, apresentado por São Paulo na segunda
leitura da primeira carta a Timóteo (6,11-16).
“Tu, homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça, a
piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão... até a manifestação gloriosa de
Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Se lêssemos o versículo
10 perceberíamos que Paulo ainda aponta onde está a origem, a raiz dos males que
ele combate com a apresentação desse manual de uma vida nova: “A raiz de
todos os males é o apego ao dinheiro. Por se terem entregue a ele, alguns se
desviaram da fé e se afligem com inúmeros sofrimentos” (1Tm 6,10).
Trata-se
de um “vade-mecum” altamente
terapêutico para uma sociedade hedonista e perdida nos valores. Foi sugerido a
Timóteo, seu discípulo e bispo, e sua comunidade, mas que se aplica
perfeitamente a nós e ao nosso tempo.
Na
verdade, Paulo nos chama a tomar consciência da nossa pertença a Deus: “tu,
homem de Deus”. Isto é, não pertencemos à Terra, porque fomos revestidos da
dupla dignidade de pessoa, que reflete a imagem de Deus, e da Sua filiação
adotiva.
Portanto,
a proposta de Paulo para que vivamos de acordo com essa dignidade é a justiça,
compreendida como santidade, a piedade, como diálogo constante com Deus, a fé,
como adesão livre e alegre à mensagem de Cristo e a caridade, sobretudo como
exercício de paciência, de compreensão e de mansidão para com tudo e todos.
Finalmente,
nos lembra da vinda final de Cristo, para a qual devemos estar sempre prontos e
vigilantes para o encontro final e mais importante da nossa vida, como nos
ensina São Gregório Magno, quando nos exorta a manter sempre viva essa espera
vigilante: “que nenhuma prosperidade vos
seduza, porque tolo é o viajante que durante o caminho pára para admirar os
belos prados e se esquece de ir onde tinha a intenção de chegar”.
O
Evangelho (Lc 16, 19-31) apresenta
dois personagens imaginários que encarnam bem o “processo terapêutico” proposto
pela Palavra de Deus. O primeiro é o homem rico. Ele é emblema atualíssimo dos “despreocupados”
de hoje e é símbolo perfeito do egoísta, do hedonista e dos grandes “gozadores”.
O que
se pode dizer a seu respeito é o que reza o salmo 48: “O homem na prosperidade não compreende, é como os animais que perecem.
Esta é a sorte de quem confia em si mesmo... a morte será o seu pastor... todo
o seu orgulho vai acabar, a mansão dos mortos será a sua morada”.
O segundo
personagem é Lázaro. O nome Lázaro significa “amparado por Deus”. De fato, já
diz tudo. Lázaro, o pobre, é símbolo de todos aqueles que, no plano pessoal
vivem em situações de pobreza moral e espiritual. Socialmente falando, ele tem
que se contentar com as migalhas que, acidentalmente, caem da mesa dos ricos e
poderosos.
O que
dizer do destino destes dois personagens tão controversos? Em princípio, podemos
dizer que a salvação é destinada a todos, de acordo com a liberdade de cada um.
Para o
rico está reservada condenação, enquanto para o pobre, obviamente purificado
interiormente, está reservada a felicidade da salvação.
Surpreendentemente,
se quiséssemos avisar ou livrar alguns “candidatos” que persistem na prática do
mal, da condenação eterna, o próprio Senhor, pela boca de Abraão, nos diz que
eles têm Moisés e os profetas e eles que os escutem!
Mas se
não ouvem Moisés e os profetas, mesmo que alguém ressuscitasse dos mortos para
avisá-los, não seriam persuadidos a mudar de vida em vista da salvação.
Esta última advertência da
Palavra de Deus, sobre cada um de nós, mas também sobre toda a civilização
humana que se distancia cada vez mais de Deus, tem um peso enorme. Para evitar
que sejamos esmagados por esse peso, não é preciso incomodar os mortos do além.
É suficiente que ainda neste
mundo e nesta vida, evitemos esse estilo de vida escandalosa expressa pela
postura denunciada pelo profeta Amós e pelo “vade-mecum”, ou seja, pelo manual
de uma nova conduta sugerido por Paulo.
Comecemos encarando e com coragem
o nosso estilo de vida, nossas escolhas e valores. É o primeiro passo para pôr
em prática o ensinamento de Jesus hoje voltado aos fariseus e a cada um de nós.
(Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA –
Missionário Inaciano – www.inacianos.org.br
– formador@inacianos.org.br).
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