Pode, realmente, Deus
arrepender-Se e voltar atrás, como nos fala a primeira leitura deste vigésimo
quarto domingo do Tempo Comum, tirada do livro do Êxodo (32,7-11.13-14)?
Mas, não seria o arrependimento
um sentimento “muito humano”, para ser atribuído a Deus, já que é derivado da
negação das atitudes e pensamentos que o antecederam? Embora seja estranho pensar
assim, é possível perceber no relacionamento da Aliança com o povo de Israel
que Deus também tem sentimentos. São sentimentos que variam no relacionamento
com o povo de Israel, de acordo com as opções que vai fazendo, dentro da sua
liberdade humana.
Deus fica até mesmo irritado em
algumas situações. Mas também a Sua ira é uma forma de amor. Tem o objetivo de
provocar uma resposta do homem. Portanto, Deus se arrepende sim, e o Seu
arrependimento é outra forma de amor que perdoa o homem, graças à intercessão
de Moisés.
Na verdade, a ira de Deus convida
e chama novamente o homem à conversão, mas não exige e não condiciona o amor
como à sua resposta. Assim, independente da resposta do homem, Deus o amará,
sempre!
Deus não exige nada, apenas dá.
Isso Moisés compreendeu muito bem, porque na sua intercessão em favor do povo, ele
“relembra” o próprio Deus da gratuidade das Suas ações em favor do Seu povo: “Por que, ó Senhor, se inflama a tua cólera
contra o teu povo, que fizeste sair do Egito com grande poder e mão forte? Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e
Israel, com os quais te comprometeste, por juramento, dizendo: Tornarei os
vossos descendentes tão numerosos como as estrelas do céu; e toda esta terra de
que vos falei, eu a darei aos vossos descendentes como herança para sempre”.
Se Deus deu ao povo gratuitamente
toda a herança prometida a Abraão, a saber, a descendência e a terra, então
ainda pode perdoá-lo, isto é, esquecer todos os seus pecados e renovar a Sua
Aliança com ele.
O arrependimento de Deus está, portanto,
em perfeita coerência com o que Deus é: Aquele que dá e perdoa.
Não será, talvez, esta imagem que
Jesus tem de Deus e que nos revela na extraordinária parábola, que
tradicionalmente chamamos de parábola do “filho pródigo”, mas que deveríamos
chamar de parábola do pai amoroso ou do pai misericordioso?
Ali, o pai não espera que o seu
filho caçula faça uma declaração formal de humildade. Pelo contrário, não
permite que se coloque na posição de escravo. Tão logo o vê, se comove, corre ao seu encontro, o abraça
e o beija!
O Pai revelado por Jesus não o
reprova, nem o repele, tampouco lhe pergunta o que fez com o dinheiro da
herança.
Esse pai é misericordioso,
sobretudo, porque não assume a postura e o papel do ofendido, como nós
costumamos fazer nesses casos, nem lhe impõe punições, fazendo-o viver mal
consigo mesmo e como escravo. Não! Rapidamente coloca-lhe um anel no dedo, e
sandálias nos seus pés. Trata-se de símbolos do homem livre, que tem direito à
herança paterna.
É esta atitude radicada no amor e
na gratuidade que o filho mais velho não consegue compreender. Ele, que sempre
serviu o pai e nunca recebeu em troca um cabrito para fazer uma festa com os
amigos.
O problema do filho mais velho,
na verdade, é acreditar que merece alguma como recompensa do pai, pelo fato de ter
sido bom. Ele pensa e enxerga o seu relacionamento com o pai apenas nos termos
do direito e do dever, das obrigações e não do amor.
O pai, na verdade, tenta fazê-lo
compreender que o verdadeiro relacionamento com ele deve ser fundamentado em
outra atitude bem diferente. No amor.
A resposta do pai aponta
justamente para isso. É como se dissesse: se não te dei um cabrito é porque o
cabrito e tudo mais sempre foram
teus! Você ainda não compreendeu que tudo o
que é meu é teu?
É por isso que ele precisa entrar
e participar da festa! Aliás, fazer festa com o irmão, que na verdade ele não
considera mais como irmão, mas apenas como “esse
teu filho”, torna-se sinal concreto e passagem obrigatória para reconhecer
o amor do pai.
Será que, finalmente, o filho
mais velho entrou para a festa? O Evangelho (Lc 15,1-32),
que lemos hoje, não nos informa.
A resposta não é dada porque cada
um de nós é chamado a dar essa resposta no seu lugar. Na verdade, a intenção de
Jesus é fazer com os Seus discípulos e cada um de nós nos identifiquemos com o
irmão mais velho e que nos perguntemos, sinceramente, se seremos capazes de ir
festejar com o seu irmão, sem calcular se ele merece ou não, sem fazer
comparações, sem abrir um inquérito
sobre o seu passado e sem fazer uma sindicância sobre a justiça do pai.
Este é o Pai que Jesus nos revela. O Pai é
alguém que não calcula os nossos méritos, mas que ama gratuita e
desproporcionalmente. Isso mesmo, desproporcionalmente!
Trata-se da mesma superabundância
de amor testemunhada por Paulo quando fala da sua própria conversão, na carta
que escreve a Timóteo e que lemos na segunda leitura (1Tm 1,12-17): “Agradeço àquele que me deu força, Cristo
Jesus, nosso Senhor, pela confiança que teve em mim, ao designar-me para o seu
serviço, a mim, que antes
blasfemava, perseguia e insultava. Mas encontrei misericórdia, porque agia com
a ignorância de quem não tem fé”.
Numa sociedade que presta culto
aos méritos e que mercantiliza as relações, capaz de perdoar só os que vencem e
pronta a condenar os “perdedores”, os que foram um dia “viver em meio aos
porcos”, sem possibilidade de apelo, o Evangelho da superabundância e da
manifestação do amor gratuito do Pai soa como provocatório e escandaloso.
Geralmente, preferimos um Pai que
nos recompense e nos elogie pelo fato de termos sido bons, mas isso é apenas um
“fetiche’ que carregamos por debaixo da educação moralista recebida na nossa
infância.
O Pai revelado por Jesus, o Pai
verdadeiro, não nos elogia, tampouco nos condena. Ele simplesmente nos ama! E isso basta! Quanto a nós,
precisamos ter coragem para alinhar as nossas atitudes de cristãos que muitas
vezes agem como o irmão mais velho, com os gestos concretos e gratuitos de amor
de Jesus.
Do contrário o nosso nome de
cristãos estará comprometido. Graças a Deus o papa Francisco tem exigido da
Igreja uma atitude cada vez mais corajosa assim. Graça a Deus, como
Missionários Inacianos, aprendemos isso do nosso fundador temos o mesmo desafio
nas mais diversas situações da vida concreta. Nunca vi um homem com tanta
coragem e ousadia para ser cristão a esse ponto! Assim como o Pai. Assim como
Jesus. (Frei Alfredo Francisco de Souza,
SIA – Missionário Inaciano – www.inacianos.org.br
– formador@inacianos.org.br).
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