(Liturgia do Vigésimo Terceiro do Tempo Comum)
Quando se
decide colocar um projeto em prática ou cumprir uma missão é oportuno, e por
que não dizer fundamental, fazê-lo tendo consciência das próprias capacidades.
Antes de tudo
é necessário ter a humildade e a coragem de analisar, examinar, calcular o
quanto a pessoa está disposta a colocar em jogo tudo o que até momento em que
decide assumir um projeto grandioso era o seu estilo de vida.
Trata-se de um
repensar os valores fundamentais que, até aquele momento, inspiraram os
pensamentos, os sentimentos e as ações, até chegar à tomada da decisão.
Nesse sentido
é indispensável também fazer um discernimento entre as “perdas” e “ganhos” e
considerar, sem muitos rodeios, a própria capacidade de fazer sacrifícios,
assumindo o novo passo sem medo de encarar a si mesmo, nem a ninguém, sem
lamentações e sem medo de ser julgado pelos outros.
Quem decide
colocar um novo projeto em prática ou assumir uma nova missão, precisará ter
coragem de fazer certa “revolução” na própria vida. Isso será sempre
necessário, tratando-se de pequenos projetos, como por exemplo uma viagem
turística ou coisa parecida ou, principalmente, tratando-se de projetos
existenciais maiores.
No caso dos grandes
projetos existenciais ou de grandes missões é necessário encarar-se a si mesmo
seriamente e perguntar-se qual a “motivação”
profunda que move a própria vontade e qual será o fim, isto é, a meta que se pretende atingir.
Esses
questionamentos são importantíssimos para evitar o risco do desânimo ou do
abandono do primeiro sonho, do primeiro ideal ou do primeiro amor porque,
diante das primeiras dificuldades ou das dificuldades que nos ferem quanto aos
sonhos e projetos, temos a tendência de esquecer a motivação que nos lançou para
que os assumíssemos, por causa das inevitáveis dificuldades que encontramos ao
longo do caminho.
Portanto, é
importantíssimo perguntar-se a cada dia “eu fiz por causa de quem”? Antes que
sejam os outros a fazerem a pergunta, talvez, com uma ironia magistral, como se
diz comumente: “quem mandou fazer”? Como Jesus ensina na parábola do Evangelho
de Lucas (14,25-33) deste Vigésimo
Terceiro Domingo do Tempo Comum: “Este
homem começou a construir e não foi capaz de acabar”!
É justamente sobre esta dinâmica
que o Evangelho deste domingo lança a sua luz para esclarecer a “escolha do
projeto” do seguimento Jesus.
Não é curioso perceber como tal
esclarecimento acontece “no caminho”, como em tantas outras ocasiões, e que a
motivação seja o fato de que “grandes
multidões acompanhavam Jesus”? Não é curioso que tenha sido provocado por
um evento banal, por causa das pessoas que seguiam Jesus, talvez com as mais
diversas motivações e, talvez, sem se questionarem muito sobre a própria “finalidade”
de O estarem seguindo?
O fato é que Jesus, vendo a
multidão que O seguia “voltando-se, lhes
disse: “Se alguém vem a mim, mas não
se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas
irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo”!
Ao invés de ficar lisonjeado por
causa do sucesso e da popularidade, como tantos líderes religiosos que arrastam
multidões hoje ficariam, Jesus apresenta severas condições para aqueles que
querem escolher o projeto do Seu seguimento.
Ele não teme que O abandonem ou
que o número dos Seus seguidores diminua como, de fato, aconteceria mais tarde.
Afinal, o Seu único compromisso é com o Reino e não, com o sucesso!
Ao apresentar as condições Ele o
faz com o Seu estilo “paradoxal” arriscando, quando está em jogo a causa do Seu
Reino, como sempre, ser incompreendido e/ou recusado.
Seguir Jesus não é como fazer um passeio
turístico onde escolhemos tudo ao nosso sabor e de acordo com os sentimentos,
como quando fazemos o que queremos, estipulamos as horas e os momentos, o tempo
e os destinos, de acordo com o que sentimos a cada momento.
Tampou é como fazer uma
peregrinação onde há sempre algum pequeno sacrifício a suportar, mas depois
sempre se volta para o conforto de casa.
Seguir os passos de Jesus envolve
uma inversão radical da própria perspectiva de vida, o que implica um preço a
pagar pessoalmente, e diz respeito a ter sempre como um parâmetro para seus
pensamentos, suas emoções e as próprias ações, a grande causa do Reino de Deus.
Implica, portanto, compreender
que “o discípulo de Cristo já não se
pertence mais”, como nos ensina Santo Inácio de Antioquia ao justificar sua
adesão radical a Cristo, abraçando o martírio.
Seguir os passos de Jesus é uma
escolha sem volta, um percurso sem saída em que não seria possível ter um
“plano B” em mente, como nos dizia um pregador há pouco tempo. Vai contra a
radicalidade da escolha pelo projeto! De fato, é uma escolha que requer ascese.
Na verdade, trata-se de um percurso
que, mais ou menos lentamente, conduz ao ponto mais alto onde está situada a
Cruz, e não um divã: “Quem não carrega a
sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo.
Somente esta “referência” constante, depois de
ter calculado e examinado bem as próprias capacidades, com a graça do Espírito
Santo, poderá evitar que os seus discípulos vacilem, batam em retirada, ou
vivam fazendo lamentações ou reclamações crônicas dizendo “ah, se eu soubesse
antes...ou eu não imaginava que seria tão difícil”! Afinal, “qual é o construtor que vai construir uma
torre e não se senta primeiro e não calcula os gastos? Ou ainda, qual é o rei
que ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com
dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil”?
Somente o paradigma constante da
grande realidade do Seu Reino, e aqui motivação e finalidade coincidem,
permitirá aos discípulos a tomada de decisão diária pela escolha vocacional
realizada.
Aliás, é a referência do Reino
que fez e faz tantos homens e mulheres vocacionados terem uma confiança total e
inabalável, mesmo diante das piores crises, decepções e perseguições.
Assim, Jesus conclui
peremptoriamente o Seu ensinamento no Evangelho de hoje: “... portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem,
não pode ser meu discípulo”!
É bom prestar atenção nas
expressões que denotam o radicalismo evangélico: “qualquer um de vós”, inclusive quem já optou por um caminho de
seguimento mais radical, e “renunciar a
tudo”, porque se quisermos, realmente, ser seguidores de Jesus é preciso
lembrar que não é possível fazê-lo impondo condições e procurando exceções.
Além disso, é bom lembrar também que
o radicalismo evangélico que exige a renúncia de tudo o que se tem, não se
refere apenas à materialidade das próprias posses, como familiares, pais, bens
e dinheiro, mas se refere, inclusive, à própria ideologia de vida.
Ser discípulo de Jesus envolve
fundamentalmente “buscar em primeiro lugar o Reino de Deus”, renunciando mesmo
“ter” uma ideia própria e “personalizada” do que venha a ser o Reino de Deus.
Afinal, Deus sempre decepciona quem O imagina ao seu modo ou de acordo com as
suas próprias lógicas. (Frei Alfredo
Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – www.inacianos.org.br
– formador@inacianos.org.br).
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