(Liturgia do Vigésimo Quinto Domingo do Tempo Comum)
No domingo
passado tivemos a graça de ouvir um Evangelho que soou como um bálsamo curativo
para as feridas do coração.
Ao ouvir as
parábolas de misericórdia contadas por Jesus, especialmente a do Pai
Misericordioso, nos enchemos da esperança e da certeza de que somos importantes
para o Pai, que não se esquece de nós. A misericórdia mostrada ali nos lembrou
que não somos “descartáveis’, mesmo quando erramos ou como recentemente afirmou
com sabedoria e visão admiráveis o Santo Padre, o Papa Francisco: “Mesmo que a vida
de uma pessoa tenha sido um desastre, mesmo que tenha sido destruída pelos
vícios, drogas ou qualquer outra coisa, Deus está na vida dessa pessoa”.
É como se Deus
tivesse nos lembrado que nós somos apenas filhos e Ele, enquanto Pai que ama,
não poderia não buscar e acolher o filho que existe em cada um de nós.
O Evangelho
deste vigésimo quinto domingo do Tempo Comum, ao contrário, nos apresenta um
exemplo bem embaraçoso. Trata-se de um administrador desonesto.
Chega a ser
difícil entender o fato de Jesus tê-lo apresentado como exemplo. Principalmente
nesses dias em que a corrupção e a falta de ética tem suscitado reações na
sociedade de modo geral, e quando transparência nas relações comerciais e
políticas andam tão frágeis. De fato, esta página do Evangelho apresenta a mais
assustadora das Parábolas, em minha opinião!
Aliás, o caráter do personagem do Evangelho
não é tão difícil de identificar no passado, nem nos dias de hoje. Na verdade,
diz respeito a cada um de nós.
Não é preciso
muito para entender e ver como o homem é alguém que recebeu tudo do seu único Senhor, mas o usa ao
seu próprio gosto, esquecendo ou recusando entender que, no fundo, ele nada mais
é do que um administrador.
Exatamente
como exorta o profeta Amós na primeira leitura (8,4-7) denunciando que o homem criou um sistema corrupto e tão
injusto, que chega a “dominar os pobres com dinheiro e
os humildes com um par de sandálias".
A
nossa cultura ocidental criou um sistema baseado no poder econômico, ao ponto de
se convencer que não deve nada nem a Deus, nem a nenhum outro que não seja a si
mesmo. É uma cultura que gerou uma quantidade imensa de riquezas, que Jesus no
Evangelho de hoje define, tranquilamente, como “desonestas”. Na verdade, as riquezas
mundanas são, muitas vezes, tão ultrajantes, ostensivas e escandalosas que
parecem o resultado de um roubo.
Como definir
de outra forma a violenta usurpação que o ser humano é capaz de fazer da função
que pertence somente a Deus, bem como a injustiça que produz entre os homens?
A
nossa consolação, contudo, está no fato que, com uma atitude quase afável,
através da parábola do administrador, Jesus toca exatamente na presunção de
quem se ilude, achando que pode acertar, através de uma manobra, as contas em
vermelho da história.
É
assim que Jesus põe um “freio” no delírio da onipotência onde prevalece o uso
das riquezas apenas para benefício e consumo próprios, que anula a capacidade
de se compadecer com os que sofrem inúmeras misérias à sua volta!
Gostaria de
ressaltar dois aspectos da Palavra de hoje. O primeiro diz respeito ao fato de
que o nosso ser discípulos de um Deus Encarnado nos coloca continuamente diante
da realidade fascinante do Cristo.
O motivo está
no fato de que Ele pregou, convidou e iniciou um processo de mudança do homem e
da história humana. Portanto, a fé cristã não pode renunciar ou desistir do seu
compromisso de transformar a própria história.
Numa época em
que se tende a dar mais atenção às fofocas ou à sensação do momento, às lógicas
sem importância e oportunistas, ao invés das grandes e importantes questões da
história, esta fé corre mesmo o risco de se alienar do compromisso
irrenunciável de influenciar profundamente a história.
Uma
vida de fé que se limitasse às experiências interiores sem olhar para questões
à sua volta, se distanciaria da dinâmica do crescimento e da construção do
Reino em meio aos homens.
“Os filhos deste
mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz”. Ao que parece, o que Jesus quer
nos dizer é que se tivéssemos a mesma paixão pelas coisas do Reino como a que temos
pelos interesses próprios e pelas coisas do mundo, o mal e a injustiça jamais
venceriam.
Aqui Jesus deixa claro que a força
do mundo econômico, às vezes sem qualquer ética ou
escrúpulos, é muito mais dinâmica e produtiva do que a força do amor em nossas
comunidades cristãs, onde muitas vezes, se instalam sentimentos de desânimo e
resignação diante dos desafios atuais.
É preciso
despertar a consciência de que somos vencedores neste mundo, e de que só o
somos nas pegadas do Mestre! Portanto, riqueza e poder para nós, não são
questões de cofres e contas bancárias, mas do coração. Dizem respeito não à quantidade,
mas à atitudes!
Nenhum de nós
está entre os grandes deste mundo, mas isso não nos exime de nossa
responsabilidade! É sempre bom lembrar que, ainda que tenhamos poucos bens
materiais, mesmo assim podemos ter uma atitude de apego, ao ponto de nos
desviar do verdadeiro objetivo da nossa vida, que é a plenitude do Reino.
Além disso,
não podemos mais fugir da exigência convincente de que, enquanto comunidade de
ressuscitados, juntos devemos começar a fazer um discernimento sobre novos
instrumentos e novos caminhos a percorrer, deixando a imaginação livre à
criatividade do amor.
O segundo aspecto que imediatamente
se segue é que, para mudar as coisas, é preciso conhecê-las.
O primeiro passo para a partilha
e criatividade do amor é o conhecimento aprofundado do mundo, das situações e
dos sistemas que fogem ao nosso conhecimento. O conhecimento e a informação é
um colocar-se a caminho da partilha e da escuta da realidade para depois, agir
como discípulos do Reino!
Na segunda leitura (1Tm 2,1-8) é o próprio Paulo que nos
exorta a elevar orações e súplicas pelos governantes do mundo: “Antes de tudo, recomendo que se façam
preces e orações, súplicas e ações de graças, por todos os homens; pelos
que governam e por todos que ocupam altos cargos, a fim de que possamos levar
uma vida tranqüila e serena, com toda piedade e dignidade’.
Certamente, não se trata de um
apelo a nos fecharmos na esfera do sagrado, ignorando a realidade concreta do
quotidiano à nossa volta. Pelo contrário, o apelo do Apóstolo é um chamado à
consciência da realidade que temos que influenciar com os valores da fé que
professamos!
Como é bom e reconfortante saber
que o próprio Senhor nos chama a ser fiéis que não se contentam com um pouco de
moralismo e algumas devoções, esquecendo-se de pregar a conversão do mundo!
Que o Senhor faça chegar direto
ao nosso coração o convite final do Evangelho de hoje: “usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles
vos receberão nas moradas eternas”.
Aqui “injusto” significa os meios
desleais enganosos, que prometem uma confiança e segurança que somente Ele pode
nos dar. É preciso estar sempre prontos a colocar esses meios injustos,
enganadores e inseguros a serviço daquilo que é segurança e garantia de
salvação plena. A saber, a partilha com os pobres! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – www.inacianos.org.br
– formador@inacianos.org.br).
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