(Liturgia
do Décimo Oitavo Domingo do Tempo Comum)
Há algumas coisas das quais se
fala muito pouco e que atingem a vida de todos nós, deixando sinais tanto bonitos
como também, feridas.
É de uma dessas coisas que a Palavra
trata na liturgia deste Décimo Oitavo Domingo do Tempo Comum. Trata-se da experiência
do trabalho humano e dos seus “frutos”.
Mas qual é a relação que existe
entre o trabalho, os seus frutos e a felicidade que o homem tanto procura? Se os
frutos esperados do trabalho são as riquezas materiais, é preciso perguntar se
esses frutos nos levam à verdadeira felicidade.
Há um fato que ninguém pode
negar. As obras das nossas mãos, mesmo a mais bela ou grandiosa, num certo momento
escapam das nossas mãos. Devemos permitir que isso aconteça.
Ao mesmo tempo existe um desejo
que nunca abandona o coração de cada ser humano. É o desejo de felicidade e de
plenitude. Essas duas coisas igualam todos os homens, de um extremo ao outro da
Terra, em qualquer classe social.
O homem, confrontando-se de um
lado com o seu desejo e do outro, com a experiência de finitude, procura uma
saída. Esta saída se resume em acumular o quanto pode, para ter o máximo possível
e para ser feliz antes que o que acumulou acabe.
Deste modo procura, talvez,
convencer-se de que a quantidade das coisas que possui “anestesia” a evidência de
que, num certo momento, terá que deixar tudo. Inclusive esta vida!
A bíblia contém um livrinho de
poucas páginas, escrito por alguém que pensava nestas coisas. De um lado, o
autor encara face a face a realidade como ela é e, de outro, enraíza sua vida
solidamente na fé em Deus. Isso lhe possibilita ter uma fé realista, bem como lançar
um olhar cheio de serenidade sobre a realidade.
Na primeira leitura (Ecl 1,2; 2,21-23) lida neste livro, o
Eclesiastes, o autor observa um fato que
também nós, muitas vezes, observamos.
Trata-se de alguém que
trabalha duro durante toda a sua vida, “se mata” para conseguir as coisas que
considera boas e necessárias, e depois tem que deixar tudo para outros, que não
se dedicaram, tampouco sofreram para conseguir. “Isso é justo? De que adianta? – se pergunta o Eclesiastes, e conclui
que isso não é justo, mas que não podemos fazer nada a respeito.
Este é um mistério que supera as
nossas explicações e nossa compreensão. Parece um vento que não se consegue pegar
com as mãos ou como uma fumaça que não nos deixa ver as coisas nitidamente.
Há ainda outra reflexão que
provém da Palavra de Deus. Aos olhos de Deus a vida do homem é um sopro! Com um
pouco de esforço poderemos compreender também que os anos que vivemos neste
mundo não são nada comparados com o tempo. Embora seja como um sopro ou um grão de areia
na praia, o homem busca a felicidade infinita.
Para tanto, precisará aprender a
pedir a Deus a sabedoria do coração, isto é, a capacidade de olhar com os
olhos, para enxergar através da “fumaça” que esconde tudo. Para este homem de
fé, o que satisfaz a nossa sede para a plenitude é a graça divina. Só isso é
capaz de tornar sólido o trabalho de nossas mãos, de nos proporcionar a
felicidade que tanto buscamos.
Das reflexões existenciais da
primeira leitura, chegamos ao Evangelho (Lc 12,13-21) onde Jesus continua a sua viagem à Jerusalém. Ao logo do caminho encontra
várias pessoas, enfrenta diversas situações e fala sobre as várias questões da
vida.
Hoje Jesus se encontra envolvido,
contra a sua vontade, diga-se de passagem, numa discussão de irmãos a respeito
dos problemas da herança.
Esta situação nos ajudará a sentir
nesta página do Evangelho, o porquê questões como esta, em todos os tempos, parecem
nunca ter fim. Mas a nossa curiosidade
permanece frustrada, porque rapidamente Jesus devolve ao homem que o interroga
a questão.
Ele não se intromete, porque não
é esta a Sua missão. Quem diria? Numa sociedade em que a “teologia da
prosperidade” prolifera confundindo a vivência da fé e a busca por Deus como busca
por dinheiro e bem estar, Jesus responde: “Homem,
quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?”
A situação Lhe oferece a
oportunidade de ensinar algo que tem sim, tudo a ver com a Sua missão: fazer o
ser humano compreender, com todas as suas forças, que a vida, não a vida
material, mas a verdadeira felicidade não depende de acumular e de ter sempre
mais e de possuir sem limites.
Imediatamente nos vem à mente a
pergunta: do que depende a verdadeira felicidade, então? Jesus responde que
depende da riqueza que o ser humano possui, aos olhos de Deus.
Significa realizar sempre mais a
nossa semelhança com Deus, que é plenitude, riqueza, beleza e harmonia.
No Seu ensinamento Jesus conta a parábola
do homem rico que é também avarento e egoísta! Jesus não o reprova somente por
ele ser rico, mas porque é avarento e egoísta!
Com esta parábola Jesus pretende
desmascarar o engano e a armadilha que a ganância prepara para o homem na busca
pela sua felicidade, fazendo-o pensar que a possibilidade de acumular sempre
mais para si mesmo lhe trará a felicidade e que poderá gozá-la para sempre, e
que por ter muitas coisas, não terá nenhum outro problema. Ora, isso não é
verdade!
Como na parábola, Deus poderá
pedir a vida deste homem de volta, muito antes do que ele havia previsto! Assim,
na vida muito antes do previsto a felicidade construída no acúmulo e na posse,
por si só, “se quebra”, isto é, não suporta o “peso” da vida.
Plenitude de vida não é questão de
possuir e acumular, tampouco de viver muito tempo. Jesus conclui que o caminho
da plenitude, contra a perspectiva de “acumular para si”, é o de tornar-se rico
no relacionamento com Deus!
Uma coisa, porém, é clara. O relacionamento
com as coisas, com os bens materiais, bem como o desejo humano de ter sempre
mais, é um dos campos mais concretos onde podemos ver verdadeiramente quem
somos, e quem é Deus para nós; e por isso, é uma das constatações mais simples
da fé.
Enriquecer no relacionamento com
Deus significa concentrar-se não somente nos bens materiais, mas também e
principalmente nos bens espirituais, nos sentido mais profundo da palavra,
sabendo usar os bens materiais para construir a humanidade, a justiça e a
igualdade de condições dignas de vida e do direito à vida!
A segunda leitura da Carta de São
Paulo aos Colossenses (3,1-5.9-11) comenta teologicamente essa passagem pascal que o homem de fé é chamado a
fazer continuamente, reconhecendo que, de certo modo, já “morremos” com Cristo
e ressuscitamos com Ele.
Por outro lado, cabe a nós viver
de modo a corresponder esta passagem pascal, fazendo morrer em nós tudo aquilo
que pertence e que nos prende à Terra, desejando e buscando as “coisas do alto”.
Entre as coisas da Terra Paulo
menciona o desejo humano que não aceita o limite, e que no relacionamento com
os bens, se chama ganância, avareza. A isso se contrapõe a capacidade, como
disse Jesus, de nos tornar-nos ricos no relacionamento com Deus. Este caminho
começa com o batismo, que nos faz entrar na Páscoa de Cristo, e continuar nela
por toda a vida.
É verdade que os valores do homem
ressuscitado, que com a razão vemos e acolhemos como o justo, devem ser
verificados em nós, porque nesta vida, sofremos uma certa atração instintiva
para o modo de ser de antes, isto é, o estilo do homem velho, independentemente
da nossa situação econômica, e esta é uma tentação que acomete até mesmo os
mais pobres! Não basta, portanto, professar que vivemos radicalmente o batismo,
para sermos vacinados contra essas tendências.
Rezemos, portanto, pedindo a Deus
que nos conceda a sabedoria do coração! Um coração que se torna mais sábio e
maior quando aprendemos a contar os nossos dias, a dar o devido valor às coisas
e ao tempo que temos nesta terra.
Então, poderemos
desejar mais a graça e a doçura do que muitos tesouros de ouro e de prata. Então,
poderemos saborear a verdadeira felicidade dos pobres de espírito, que confiam
no Senhor, não porque não tem outra possibilidade, mas porque é Ele quem dá
sentido a qualquer outro valor nesta vida! (Frei
Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br. www.inacianos.org.br
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