(Liturgia
do Sexto Domingo da Páscoa)
A Palavra de Deus neste sexto
domingo da Páscoa nos permite olhar para a realidade à nossa volta para
perguntar o que nos restará de uma sociedade na qual se tem “tudo” e ao mesmo
tempo não se tem nada. Ao lançar esse olhar constatamos que falta “tudo”, mesmo
tendo-se muitas coisas. Passamos por crises que vão além da econômica, em todo
o mundo, em bora em alguns países esta seja mais grave. Crise nas relações, crise
de valores e de identidade.
Jesus conhecia muito bem o nosso
coração, tão preso a si mesmo e às aparências.
No discurso de despedida na última Ceia, no Evangelho convida os
discípulos, que estão prontos para a fugir e a abandoná-Lo, a não abandonar o
amor. “Se o ramo for separado da videira,
ele seca”, dizia Ele no domingo passado. Hoje a imagem da videira dá forma
àquilo que a justifica. Isto é, dá lugar ao amor de cujo Pai é a fonte. “Como eu guardei os mandamentos do meu Pai”!
O Pai, na verdade, é o protagonista,
pois é do seu amor pelo Filho que provém o amor do Filho pelos seus. E todos nós precisamos desse amor de Pai. Como
é triste ser órfão! É o amor, que dá sentido a cada ínfimo momento da nossa
existência, porque não é um amor “eterno enquanto dura", como se houve e
se vê por aí. Não é um sentimentalismo causado por uma bela melodia!
Não! É um amor sério! Um amor com
“sabor” de cruz, de Pão e de Verdade que nos dá a plenitude da alegria. Uma alegria
que, inclusive, suporta tristezas, decepções e frustrações sem que se perca,
porque não é sustentada pelo bem estar, mas pelo amor, dom do Espírito. E se
tem uma coisa que nos tira do conforto do bem estar é, sem dúvida, o amor. Porque
ele exige muito de nós! “Livrai-nos,
Senhor, de devoções bobas e de santos tristes”, dizia Santa Tereza D’Ávila.
Como é possível ter um rosto triste quando Jesus, o Esposo, no faz o convite
para uma festa que não terá mais fim?
Hoje o Senhor, nesta maravilha de
tempo Pascal nos “acorda” novamente do sono do espírito adormecido e nos
desperta da letargia da alma, dizendo a cada um de nós: "Coragem! Permanecei em mim e você será feliz”. Ama e estarás
na alegria verdadeira! Ama e serás tu também um evangelho vivo! Portanto, os
cristãos não poderiam ser associados à outra coisa que não fosse amor e alegria!
O cristão é alguém que sabe que a alegria
verdadeira é inalcançável para aqueles que pensam ser possível encontrá-la
através de estratégias e iniciativas individuais, como se bastasse para tanto,
por exemplo, conseguir realizar um bom casamento ou uma bela carreira
profissional, ou ainda conseguir uma bela e confortável casa no campo, depois
da aposentadoria. O cristão sabe que “estar” na verdadeira e plena alegria
anunciada por Jesus, consiste em viver o momento presente cumulando-o desse
amor, mesmo em meio às provações e dificuldades.
Para o cristão essa alegria
corresponde a uma certeza: sei que sou amado! Sei que sou filho! É a respeito
disso que Jesus quer nos convencer, quando nos diz: "Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu
amor”.
No Evangelho e nas cartas de João Deus
está presente não tanto como o Onipotente, o Soberano Absoluto e Eterno que
rege tudo com Sua vontade, mas simples e incontestavelmente como “Aquele que ama”! Se é verdade que uma
das melhores coisas de se escutar e a mais bela expressão de quem ama é dizer “eu sei que tu me amas”, esta mesma
expressão e as mesmas palavras podemos murmurar a Deus, com imensa confiança: “Eu sei que Tu me amas sempre e incansavelmente.
Sei que qualquer coisa que eu tenha feito na minha vida passada, qualquer coisa
que venha a fazer na minha vida futura, nada poderá separar da Tua bondade, da
Tua misericórdia e do Teu perdão”!
O amor de Deus gera uma alegria absolutamente
inatingível porque se apresenta sob a forma de uma amizade profunda. Quem tem amigos
verdadeiros sabe disso! “Não vos chamo
mais de servos... mas vos chamo de amigos”, disse Jesus aos seus discípulos,
noutra ocasião. A amizade como essa de
Deus por toda a Sua criação elimina as distâncias, supera o medo, liberando o
espaço para a confiança e entra num relacionamento sempre mais aberto à beleza
do doar. Mas não nos iludamos. Esta alegria não nos é dada para que a guardemos
dentro de nós como um dom privilegiado e exclusivo. Jesus, de fato, nos
versículos seguintes dirá: “Eu vos
constituí para irdes”. Como é possível “permanecer”, isto é, “morar” e
partir ao mesmo tempo? É possível quando compreendemos que a natureza do amor é
sempre movimento e dinamismo. Isto é, quem se sente amado não pode instalar-se
no amor. Pelo contrário, sente necessidade de amar. "Amor est via" (Amor é caminho), diziam
alguns autores medievais. De fato, o amor é verdadeiro quando está a caminho,
buscando alcançar mais e mais pessoas.
Jesus não fala do amor como um ato
de caridade, mas como um mandamento! É como se quisesse nos ensinar que amar é
uma exigência profunda da alma para se chegar àquela alegria plena que Ele
prometeu.
É
isso que o Apóstolo Pedro, na casa de Cornélio, experimenta quando vê que o dom
do Batismo é um desejo de Deus para todos! Sem preferência ou acepção de
pessoas. É também isso que experimentamos quando percebemos que o amor sempre impulsiona
para outros lugares, tempos e circunstâncias, sem que jamais nos demos por
satisfeitos. Enquanto houver,
ainda que seja uma só pessoa no mundo que se sinta “órfã”, cabe a cada um de
nós ir e fazer com que conheça o Pai. Fazê-la sentir-se amada, dando-lhe,
assim, a alegria plena, que nada no mundo poderá tirar! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos
Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br –
Website: www.inacianos.org.br).
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