(Liturgia
da Quarta-feira de Cinzas)
Com
a quarta-feira de cinzas iniciamos o tempo da quaresma. O sinal
principal da quaresma são as cinzas que recebemos sobre a cabeça e que,
obviamente, não possuem um poder mágico, mas são o sinal exterior de uma
retomada de consciência. Refiro-me ao fato de que há coisas que com um sopro se
desintegram, como a cinza e o pó, e ao fato de que há coisas que são eternas.
A quaresma é
um tempo oportuno para que voltemos o olhar para o interior de nós mesmos e,
assim, coloquemos os “pingos nos is”. É disso que se trata, acima de tudo, e
não de um tempo triste.
Seria bom pensar
na quaresma como um período em que se inicia uma longa jornada. No início, tudo bem, tranqüilo, mas depois, quando
se perde o fôlego... a gente começa a pensar apenas no sacrifício e no cansaço
que sente. Mas ao mesmo tempo é um momento em que se pode concluir que, não
obstante o cansaço, vale à pena. Sim, porque fazer uma viagem para dentro de si
mesmo sempre vale o sacrifício que se tem que fazer. Depois do sacrifício é
sempre hora de celebrar uma ressurreição.
Parece estranho,
mas tendemos naturalmente a estar um pouco fora de nós mesmos, na superfície
das nossas realidades, perdidos entre as “bagatelas” da vida, que nos absorvem
em coisas que parecem essenciais, mas que, pelo contrário, são apenas futilidades.
Se
tivéssemos que elaborar um lema que identificasse a quaresma, poderíamos
escrever “e conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará” (Jo 8,32).
A verdade sobre nós mesmos e a verdade de Deus.
Temos
necessidade de viver na verdade que, contudo, não se trata de coisas exatas,
mas como quando se monta um quebra-cabeças, trata-se de olhar e orientar-se
pela figura que dá sentido à cada peça. Para nós esta figura, ou melhor, esta
pessoa é Jesus. O
período quaresmal exige que ergamos a cabeça e que levantemos os olhos até
alcançar o Seu olhar misericordioso que sempre está voltado para cada um de
nós.
A fórmula que
será usada na imposição das cinzas sublinha isto: “convertei-vos e crede no Evangelho”, ou “lembra-te que és pó e ao pó retornarás”.
Na realidade são
dois lados da mesma moeda, pois trata-se do meu eu, sempre eu, daquilo que
sinto, daquilo que experimento, daquilo que me emociona, do que temo ou do que
desejo. Tudo isso é cinza e pó!
Cinza e pó são
metáforas daquelas coisas que com um sopro vão embora, acabam mais cedo ou mais
tarde e não resta nada. Cabe a cada um de nós identificar o que é pó e cinza na
própria vida.
Voltando
à primeira opção da fórmula para a imposição das cinzas que sublinha a
conversão que se manifesta no crer. A verdadeira conversão não é tanto o
propósito de fazer ou não uma boa obra, mas abrir o coração e acolher a “boa notícia”
de Jesus Salvador, que deu a vida por nós para que nós pudéssemos colocar-nos
de novo, no caminho do Pai, que fez de nós seus filhos e filhas.
Converter-nos,
nesse sentido, portanto, significa “reorientar-nos”, “voltar-nos a”, “fixar o
olhar em” e crer no Evangelho de Deus que nos dá o dom e a verdade de sermos
Seus filhos.
A segunda
fórmula sugerida, um pouco mais “crua”, nos lembra que tudo aquilo que para nós
é tão importante, se tornará pó! Até mesmo o nosso orgulho! O Único que
permanecerá é o próprio Deus. É por isso que é preciso buscar aquilo que,
realmente, tem substância nesta vida.
Vivemos num
mundo de “falsas verdades”. Cada um a conta como quer. Mas o cristão crê, de
fato, que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, e que sem Ele é levado a girar
em volta, a andar sem rumo sem chegar a lugar algum.
Por isso a
quaresma é um tempo de escolhas. Ser livres, viver na verdade significa que
cada dia somos chamados a escolher, que devemos entrar em nós mesmos e
reapropriar-nos da nossa própria vida. Esta é a primeira conversão. Antes de
tudo redescobrir a minha humanidade redimida que, sem a graça de Cristo, seria totalmente
inacessível.
A liturgia deste
início de quaresma nos oferece no Evangelho (Mt 6,1-6.16-18) três
grandes “ferramentas” que agem como “exercício de academia”, obviamente, para a
alma. O Evangelho é a “terapia” a seguir. Uma terapia que nos “realinha” com
Deus, conosco mesmos e com os outros. Trata-se da da caridade, da oração e do
jejum.
Cada uma dessas
ferramentas é inserida no tema da "recompensa". Jesus sabe muito bem como somos e é como se
quisesse nos dizer: "para alcançar o que você busca, você deve fazer
isso." São três grandes caminhos e três
ferramentas do coração que servem para escutar o próprio coração e, assim,
curá-lo.
Na
caridade está o convite para sair nós mesmos voltar o coração ao pobre.
Descobrir que a nossa vida é um dom que recebemos e que não se esgota em nós
mesmos, mas é um dom que se renova na medida em que a partilhamos. Mais do que
dar algo a alguém, a caridade funda-se no dar-se. Dar tempo, dar o ouvido à escuta,
dar espaço para o diálogo, dar compaixão e, por que não, também a ajuda
econômica ou o pão urgente? Além disso, nos convida a ver a realidade à
nossa volta e a abandonar a ganância, o desejo incontrolável que, como um
cachorro que tenta morder o próprio rabo, nos faz girar em círculos vazios.
A oração é o “lugar”
no qual estamos diante do Senhor, como quando Deus chamava Israel à escuta na
solidão que, para nós é aquele deserto cotidiano, lugar de intimidade e de
escuta, onde Jesus nos chama a escutá-Lo, para recebermos a Sua Palavra que nos
nutre e nos dá forma. Portanto, não se trata
de quantas ou quais orações rezar, mas de consagrar um tempo para estar
“coração a coração” com Deus, na escuta da Sua Palavra. É a descoberta
da presença de Alguém que sempre nos chama a sair do “casulo’ para aprender a
crescer e nos tornar adultos.
Finalmente, o
jejum. Mesmo conscientes das recomendações dos médicos é preciso lembrar que aqui
não se trata apenas do estômago, tampouco da questão de que tipo de comida
escolher, ou se é permitido comer peixe ou carne. Esses são discursos marginais
da questão. A questão é o que ou quem é o alimento da minha vida: carboidratos
e proteínas ou verdade? Dinheiro ou Jesus? Segurança econômica ou caridade? O
jejum serve para recolocar no seu devido lugar a pirâmide das verdadeiras prioridades.
Nesse sentido
talvez sirva mais abster-se das ilusões e das futilidades do que das proteínas
da carne, ou da televisão e da internet, do facebook ou do celular, para poder
conversar mais com os familiares, com as pessoas concretas da comunidade que,
talvez estejamos negligenciando. Do que temos fome, realmente? O mais
importante é que a Verdade nos libertará, saciando-nos.
Estes três
caminhos servem para nos ensinar a aprender a ver os sinais d’Aquele que está
oculto, que vê no oculto, que ama no oculto. A quaresma é um colocar-se a
caminho. Caminho para reencontrar e abraçar Alguém que está sempre nos esperando
no final da jornada. Frei Alfredo
Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – www.inacianos.org.br – formador@inacianos.org.br.
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