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quarta-feira, 5 de março de 2014

JEJUM, CARIDADE E ORAÇÃO: TERAPIA QUARESMAL

(Liturgia da Quarta-feira de Cinzas)
Com a quarta-feira de cinzas iniciamos o tempo da quaresma. O sinal principal da quaresma são as cinzas que recebemos sobre a cabeça e que, obviamente, não possuem um poder mágico, mas são o sinal exterior de uma retomada de consciência. Refiro-me ao fato de que há coisas que com um sopro se desintegram, como a cinza e o pó, e ao fato de que há coisas que são eternas.
 A quaresma é um tempo oportuno para que voltemos o olhar para o interior de nós mesmos e, assim, coloquemos os “pingos nos is”. É disso que se trata, acima de tudo, e não de um tempo triste.
Seria bom pensar na quaresma como um período em que se inicia uma longa jornada.  No início, tudo bem, tranqüilo, mas depois, quando se perde o fôlego... a gente começa a pensar apenas no sacrifício e no cansaço que sente. Mas ao mesmo tempo é um momento em que se pode concluir que, não obstante o cansaço, vale à pena. Sim, porque fazer uma viagem para dentro de si mesmo sempre vale o sacrifício que se tem que fazer. Depois do sacrifício é sempre hora de celebrar uma ressurreição.
Parece estranho, mas tendemos naturalmente a estar um pouco fora de nós mesmos, na superfície das nossas realidades, perdidos entre as “bagatelas” da vida, que nos absorvem em coisas que parecem essenciais, mas que, pelo contrário, são apenas futilidades.
Se tivéssemos que elaborar um lema que identificasse a quaresma, poderíamos escrever “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). A verdade sobre nós mesmos e a verdade de Deus.
Temos necessidade de viver na verdade que, contudo, não se trata de coisas exatas, mas como quando se monta um quebra-cabeças, trata-se de olhar e orientar-se pela figura que dá sentido à cada peça. Para nós esta figura, ou melhor, esta pessoa é Jesus. O período quaresmal exige que ergamos a cabeça e que levantemos os olhos até alcançar o Seu olhar misericordioso que sempre está voltado para cada um de nós.
A fórmula que será usada na imposição das cinzas sublinha isto: “convertei-vos e crede no Evangelho”, ou “lembra-te que és pó e ao pó retornarás”.
Na realidade são dois lados da mesma moeda, pois trata-se do meu eu, sempre eu, daquilo que sinto, daquilo que experimento, daquilo que me emociona, do que temo ou do que desejo. Tudo isso é cinza e pó!  
Cinza e pó são metáforas daquelas coisas que com um sopro vão embora, acabam mais cedo ou mais tarde e não resta nada. Cabe a cada um de nós identificar o que é pó e cinza na própria vida.
Voltando à primeira opção da fórmula para a imposição das cinzas que sublinha a conversão que se manifesta no crer. A verdadeira conversão não é tanto o propósito de fazer ou não uma boa obra, mas abrir o coração e acolher a “boa notícia” de Jesus Salvador, que deu a vida por nós para que nós pudéssemos colocar-nos de novo, no caminho do Pai, que fez de nós seus filhos e filhas.
Converter-nos, nesse sentido, portanto, significa “reorientar-nos”, “voltar-nos a”, “fixar o olhar em” e crer no Evangelho de Deus que nos dá o dom e a verdade de sermos Seus filhos.
A segunda fórmula sugerida, um pouco mais “crua”, nos lembra que tudo aquilo que para nós é tão importante, se tornará pó! Até mesmo o nosso orgulho! O Único que permanecerá é o próprio Deus. É por isso que é preciso buscar aquilo que, realmente, tem substância nesta vida.
Vivemos num mundo de “falsas verdades”. Cada um a conta como quer. Mas o cristão crê, de fato, que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, e que sem Ele é levado a girar em volta, a andar sem rumo sem chegar a lugar algum.
Por isso a quaresma é um tempo de escolhas. Ser livres, viver na verdade significa que cada dia somos chamados a escolher, que devemos entrar em nós mesmos e reapropriar-nos da nossa própria vida. Esta é a primeira conversão. Antes de tudo redescobrir a minha humanidade redimida que, sem a graça de Cristo, seria totalmente inacessível.
A liturgia deste início de quaresma nos oferece no Evangelho (Mt 6,1-6.16-18) três grandes “ferramentas” que agem como “exercício de academia”, obviamente, para a alma. O Evangelho é a “terapia” a seguir. Uma terapia que nos “realinha” com Deus, conosco mesmos e com os outros. Trata-se da da caridade, da oração e do jejum.
Cada uma dessas ferramentas é inserida no tema da "recompensa".  Jesus sabe muito bem como somos e é como se quisesse nos dizer: "para alcançar o que você busca, você deve fazer isso." São três grandes caminhos e três ferramentas do coração que servem para escutar o próprio coração e, assim, curá-lo.
Na caridade está o convite para sair nós mesmos voltar o coração ao pobre. Descobrir que a nossa vida é um dom que recebemos e que não se esgota em nós mesmos, mas é um dom que se renova na medida em que a partilhamos. Mais do que dar algo a alguém, a caridade funda-se no dar-se. Dar tempo, dar o ouvido à escuta, dar espaço para o diálogo, dar compaixão e, por que não, também a ajuda econômica ou o pão urgente? Além disso, nos convida a ver a realidade à nossa volta e a abandonar a ganância, o desejo incontrolável que, como um cachorro que tenta morder o próprio rabo, nos faz girar em círculos vazios.
A oração é o “lugar” no qual estamos diante do Senhor, como quando Deus chamava Israel à escuta na solidão que, para nós é aquele deserto cotidiano, lugar de intimidade e de escuta, onde Jesus nos chama a escutá-Lo, para recebermos a Sua Palavra que nos nutre e nos dá forma. Portanto, não se trata de quantas ou quais orações rezar, mas de consagrar um tempo para estar “coração a coração” com Deus, na escuta da Sua Palavra. É a descoberta da presença de Alguém que sempre nos chama a sair do “casulo’ para aprender a crescer e nos tornar adultos. 
Finalmente, o jejum. Mesmo conscientes das recomendações dos médicos é preciso lembrar que aqui não se trata apenas do estômago, tampouco da questão de que tipo de comida escolher, ou se é permitido comer peixe ou carne. Esses são discursos marginais da questão. A questão é o que ou quem é o alimento da minha vida: carboidratos e proteínas ou verdade? Dinheiro ou Jesus? Segurança econômica ou caridade? O jejum serve para recolocar no seu devido lugar a pirâmide das verdadeiras prioridades.
Nesse sentido talvez sirva mais abster-se das ilusões e das futilidades do que das proteínas da carne, ou da televisão e da internet, do facebook ou do celular, para poder conversar mais com os familiares, com as pessoas concretas da comunidade que, talvez estejamos negligenciando. Do que temos fome, realmente? O mais importante é que a Verdade nos libertará, saciando-nos.

Estes três caminhos servem para nos ensinar a aprender a ver os sinais d’Aquele que está oculto, que vê no oculto, que ama no oculto. A quaresma é um colocar-se a caminho. Caminho para reencontrar e abraçar Alguém que está sempre nos esperando no final da jornada. Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – www.inacianos.org.brformador@inacianos.org.br

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