(Liturgia da Solenidade de Todos os Santos)
Às vezes penso
que a vida cristã não consiste em nada muito mais do que aprender a viver cada
dia da nossa existência com o desejo de escutar o Evangelho, de fazer da
Palavra de Jesus uma presença amiga, uma referência segura.
A liturgia, que
nos convida e nos leva ao encontro com Jesus e Sua Palavra. Torna-se,
portanto, uma ajuda e, com razão, o Concílio Vaticano II a considera a fonte e
cume de toda a vida cristã. Nela, de fato, a Palavra de Deus nos é oferecida de
modo que nos permite configurar, dia após dia, a nossa vida concreta com o
modelo de Jesus, até aquele encontro final.
Ao longo do ano
litúrgico a memória semanal da Páscoa de Jesus é enriquecida pela lembrança do
testemunho daqueles cristãos que viveram antes de nós, a maioria em época e
contextos muito diferentes dos nossos, e que chamamos de santos. Nós os
chamamos de “santos” porque reconhecemos que se configuraram plenamente com o
modo de viver de Jesus que, por sua vez, fizeram conhecer com a sua própria vida
e com o seu testemunho, o rosto de Deus Pai.
A Palavra “santo”,
de fato, é um atributo que a bíblia, em primeiro lugar, usa para Deus. Significa, “separado”, no sentido de diferente. Diferente do homem, não porque está
longe, mas porque o homem foi criado por Deus como vértice de toda a criação e
Deus, é o seu Criador. Todavia, quando Deus criou o homem, não o criou para que
ficasse longe d’Ele, mas para fazer aliança com Ele.
O amor que faz
com que Deus realize a criação é o mesmo amor que O leva a oferecer Sua
Aliança ao homem, que nada mais é senão um pacto de amor.
Só faz aliança
de amor quem sabe que é diferente do outro, mas não quer permanecer longe e
indiferente, pelo contrário, sente um grande desejo que o outro esteja unido a
ele, ao ponto de assemelhar-se. É por isso que depois de ter libertado o Seu
povo da escravidão do Egito, Deus lhe pede, “Sede
santos, como eu, o Senhor vosso Deus, Sou Santo”.
Esta aliança se
realiza no momento mais alto da história de Deus com a humanidade, que é a vida
de Jesus. Ele, inclusive, manifestou isso aos Seus discípulos quando disse: “Vinde a mim... aprendei de mim que sou manso
e humilde de coração”.
Jesus não lhes
pede apenas para que imitem os Seus sentimentos, mas para que bebam da Sua
mesma fonte, para então, viverem isso nas suas próprias vidas, isto é, o Seu
próprio modo de ser e de viver. É exatamente isso que os cristãos santos
fizeram. Foram “cristãos completos”.
No Novo Testamento a palavra “santo” é usada
para denominar os cristãos, porque o dom da salvação os justificou e tornou
capazes de viverem como Jesus.
Contudo, como
todo dom, não é algo imposto, mas oferecido a cada um para que o torne concreto
e verdadeiro em sua vida. Neste ponto é que deve começar a resposta de cada um,
que é livre e também sujeita às tensões da nossa velha humanidade que resiste
às transformações.
Os santos nos
ajudam nesse caminho porque nos recordam que não existem condições
privilegiadas para responder ao Senhor. Ajudam-nos a lembrar também que cada um
pode responder onde, como e quando vive, em sua própria situação concreta, de
acordo com quem é.
Na verdade, sabemos
que nenhum santo teve condições fáceis ou privilegiadas para se tornar santo. Pelo contrário,
tiveram que ser verdadeiros heróis e heroínas.
Os santos nos ajudam
também a compreender a Palavra de Deus, porque a explicam não através de palavras
ou teorias, mas através de gestos e escolhas concretas. Com nos ajudam a perceber até onde a obediência
ao projeto de Deus pode levar uma pessoa.
Como os Santos são
muitos, não apenas aqueles que a Igreja reconhece oficialmente, mas também
aqueles que Deus acolhe junto de Si, sem que nós o saibamos, a ideia da
liturgia de celebrar uma festa de todos os santos é maravilhosa.
Maravilhoso também
é saber que podemos nos lembrar daquelas pessoas que nos ensinaram com a sua própria
vida como se faz para amar a Deus. E é claro que podemos pedir a ajuda deles e
delas, porque cremos que podem interceder por nós junto a Deus.
As leituras
desta festa nos levam a fazer um percurso simples e ao mesmo tempo solene entre
a terra e o céu.
No Evangelho da
solenidade de Todos os Santos (Mt 5,1-12a)
Jesus, ao proclamar as bem aventuranças, que são a síntese do Seu
Evangelho, nos recorda que Deus se faz próximo, oferece o Seu amor, o Seu Reino
a todos, e o faz a partir daquelas pessoas que nós, às vezes, não valorizamos. Trata-se
dos pobres em espírito, isto é, aqueles que, como Jesus, tem um coração manso e
humilde, aqueles que sofrem, aqueles que amam sem interesses, mas por
misericórdia, os que lutam pela justiça e pela paz enfrentando, inclusive, a
perseguição, e aqueles que para permanecerem fieis a Jesus e aos projetos do
Seu Reino, passam por inúmeras dificuldades. Para essas pessoas Deus Se faz conhecer
e faz com que percebam a Sua ajuda.
É por isso que
Ele os chama de “beatos”, ou seja, “felizes”. São pessoas que estão no caminho
certo, caminho de homens e mulheres que respondem ao seu Criador, ainda que aos
olhos humanos, sejam vistos como infelizes.
Jesus é o
primeiro desses “felizes”, enquanto os santos O seguem nesse caminho. Mas se nós
quisermos entrar no Reino, se quisermos ser felizes de verdade, somos chamados
a percorrer o mesmo caminho.
São João, para
exprimir a mesma experiência usa uma linguagem totalmente familiar: “nós somos filhos de Deus, já agora e em
plenitude, porque Jesus, o Filho é quem o revelou e abriu para nós a Sua casa”.
É certo que ainda
estamos a caminho. Para nós, que ainda vivemos nesta terra, ser filho significa
uma série de coisas, mas não sabemos o que será de nós quando Jesus retornar na
plenitude de Seu amor.
Continuemos a
percorrer o caminho como os peregrinos que iam ao Templo de Jerusalém cantando
o Salmo 23: “quem subirá até o monte do
senhor?... Quem tem as mãos puras e
inocente o coração...”
Na espera da
manifestação definitiva, o apóstolo João pode “sonhar”, como faz no Apocalipse,
quando fala do encontro final. Na visão, apresentada na primeira leitura (Ap 7,2-4.9-14). Nela João vê
uma "grande multidão", composta de cada nação e língua, que canta os
louvores do cordeiro, que é o Cristo crucificado e ressuscitado.
Eles trajam vestes
brancas e palmas nas mãos. Lavaram suas vestes no sangue do cordeiro, isto é,
conformaram suas vidas à de Jesus, percorreram o Seu próprio caminho de morte e
ressurreição, e trazem a palma da vitória, que na antiguidade significava o que
para nós hoje significa a medalha.
Com a confiança que
infunde em nós a esperança de ser sempre mais filhos e filhas e de receber a palma da
vitória, caminhemos nas pegadas de Jesus, imitando suas atitudes e
comportamentos, porque quem se sente amado não deseja outra coisa a não ser corresponder
ao amor que recebe. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA - Missionário Inaciano -
www.inacianos.org.br - formador@inacianos.org.br).
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