(Liturgia da Solenidade de Pentecostes)
A Páscoa de
Cristo se realiza em plenitude hoje na liturgia da solenidade de Pentecostes. Não
bastava que o Filho morresse na cruz e ressuscitasse. Foi necessário que cada
cristão e toda a Igreja pudessem entrar na sua própria experiência de morrer
para o pecado e de nascer para a vida nova de filhos e filhas de Deus.
É o dom
pascal do Espírito, renovado em cada celebração eucarística e, especialmente,
na celebração de hoje, a solenidade de Pentecostes, que torna o mistério da
Páscoa vivo, atual e operante em nós.
O Espírito
vem envolver-nos como pessoas e como comunidade, na Páscoa de Cristo. Mas o que
significa isso? O que acontece, de fato, no Pentecostes? É a liturgia da
Palavra que abre os olhos da nossa fé para contemplar este mistério.
A primeira leitura é tirada dos Atos dos Apóstolos (2,1-11). Nela, Lucas contextualiza o
dom do Espírito Santo prometido por Jesus aos seus discípulos na festa judaica
de Pentecostes: “Quando chegou o dia de
Pentecostes”.
No tempo de Jesus o Pentecostes tinha dois significados. Primeiro,
era a festa agrícola das primícias, isto é, dos primeiros frutos das primeiras
colheitas, que se celebrava depois de sete semanas do início da colheita do
trigo.
Sete semanas, isto é, cinqüenta dias, em grego “pentecostes”,
festa do 50º dia. É a festa dos frutos do trigo que foi semeado, que morreu
como semente na terra e que agora está maduro e dá fruto.
O segundo
significado diz respeito à memória da Lei promulgada no Monte Sinai e à
Aliança.
A narração
dos Atos dos Apóstolos sugere que o Pentecostes, no seu duplo significado, se
realiza com o envio do Espírito, como o fruto maduro da Páscoa, entregue à
comunidade dos que crêem em Cristo que, como a semente, caiu na terra, morreu e
ressuscitou.
Nutrindo-se deste fruto, invocado e acolhido mediante a escuta da
Palavra e da participação na mesa da Eucaristia, o cristão cresce na Aliança, a
relação nova e definitiva com Cristo e o Pai.
Para ajudar-nos compreender como isso acontece, Lucas fala do
Espírito com duas imagens que descrevem os efeitos da Sua vinda. Trata-se da
imagem do vento e do fogo.
No hebraico do Antigo Testamento os termos vento, sopro e espírito
se exprimem com um mesmo termo que é “Ruah”,
uma palavra feminina que faz alusão à doçura e à força doadora de vida.
O sopro, assim como o Espírito, é vida, a fonte da vida. Na narração
da criação do homem no capítulo dois do livro do Gênesis nos é revelado que o
sopro vital que “habita” e move o homem é um dom de Deus, uma comunicação da
Sua própria vida divina, do mesmo sopro e espírito que é a vida de Deus. No
Pentecostes nos é dado o Espírito de Deus, portanto, para que seja para nós a
fonte, o guia e o princípio da nossa existência.
A segunda
leitura da carta aos romanos (8,8-7),
que a liturgia apresenta como a segunda opção para a segunda leitura para o Ano
C que tomamos para esta reflexão, nos ajuda a compreender qual é a vida que o
Espírito nos dá e o que produz em nós, enquanto seres vivificados pela Sua
ação.
Paulo nos coloca diante do fato, no estado no qual já nos
encontramos no momento em que recebemos o dom do Espírito no dia do nosso
batismo, ainda que naquele momento, não tivéssemos plena consciência de que
daquele momento em diante, não estamos mais na “carne”, mas no Espírito.
Mas o que
significa “carne’ e Espírito para Paulo?
"Carne"
significa a totalidade do homem, feito de corpo e alma, de inteligência e
vontade, na sua realidade frágil e precária puramente natural, marcada pelo
pecado e pela morte.
"Espírito"
indica a vida divina que move e norteia a vida de Cristo, o Filho. Então, o que
recebemos é o espírito do próprio Filho, Sua vida de relacionamento de amor com
o Pai, que nos é comunicado como graça e princípio de vida e faz com que nos
tornemos Filhos do Pai.
Se pela
"carne" estávamos aprisionados na experiência da precariedade e
destinados à morte em tudo que éramos e fazíamos, agora pelo Espírito que o
Cristo ressuscitado nos doou, somos enraizados na própria vida de Deus. Isto é,
somos gerados para a vida dos filhos de Deus e aprendemos a conhecer a Deus
como "Pai". O convite de Paulo é claro e nos convoca a vivermos de
acordo com aquilo que já somos!
A segunda
imagem usada para narrar a ação do Espírito é a do fogo. Esta imagem também,
assim como a imagem do vento, é uma imagem muito freqüente na tradição bíblica.
Basta lembrarmos-nos da própria narração da entrega da Lei de Deus sobre o
Monte Sinai (Ex 19).
O fogo é o
sinal com o qual Deus manifesta a Sua presença. O Espírito é como o fogo, isto
é, torna presente Jesus Cristo em nós e entre nós e ilumina o nosso interior,
dirigindo-nos quanto ao caminho que devemos seguir.
O Espírito,
portanto, torna-se o nosso mestre interior.
Quem é iluminado interiormente pela Sua presença, necessariamente faz com
que essa luz resplandeça em torno de si.
O Evangelho
que a liturgia coloca como segunda opção para o Ano C (Jo 14,15-16.23b-26), extraído do discurso da Última Ceia,
aprofunda esta ação interior do Espírito na vida do cristão e da comunidade.
Jesus chama
o Espírito Santo de o Paráclito. Trata-se de um termo grego que se refere aos
processos dos tribunais do mundo grego do primeiro século. O acusado aparecia
sozinho diante do juiz e do seu acusador. Sozinho também deveria responder às
acusações e se defender. Contudo, era-lhe concedido ter ao seu lado, alguém que
“se levantasse no tribunal” para defender a vítima, como um advogado de defesa,
competente e responsável para sugerir o que e como a vítima deveria dizer. Seu
papel era incentivar e estimular no momento mais difícil e, se necessário,
tomar a palavra para fazer valer de um modo melhor a justiça.
O Espírito
de Jesus é o nosso Paráclito, isto é, o nosso Defensor. Ele defende dentro de
nós a verdade que é o próprio Jesus Cristo e a verdade à qual estamos ligados
pelo Batismo; o nosso ser filhos no Filho recorda-nos a Palavra, sugere a
Palavra e leva a Palavra à memória do nosso coração.
É o
Espírito quem defende a soberania de Jesus em nós, o Filho que em nós vai sendo
“construído”, diante do mundo e também diante do que do mundo trazemos dentro
de nós.
O
Pentecostes deu início à era do Espírito. Desde então, cada assembleia
eucarística é lugar de um novo e contínuo Pentecostes, sobretudo porque
entramos com fé e abertura de coração nesta celebração para receber o Espírito
Santo que flui, abundantemente, do altar da Eucaristia para nós. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA –
Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br – www.inacianos.org.br).
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