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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sexta-feira, 24 de maio de 2013

DEUS É COMUNHÃO, NÃO SOLIDÃO


(Solenidade da Santíssima Trindade)
Com a celebração da solenidade de Pentecostes a liturgia nos fez dar o último passo do nosso caminho de atualização do Mistério Pascal, cume e síntese de toda a história da salvação.
Nesse caminho, percorremos o desenrolar do plano Redentor de Deus ao longo dos tempos. Plano que tinha o objetivo de restaurar o que tinha sido destruído pelo pecado de Adão e, finalmente, realizado com o dom do Filho que, através da sua morte e ressurreição, restituiu o Espírito ao homem, como também restituiu a comunhão de vida e de amor que havia nos primeiros momentos do Éden com o Pai.  
A liturgia desta solenidade da Santíssima Trindade nos projeta no seio da própria Trindade, através de um vôo para o Alto, de onde partiu o amor Trinitário e para onde tudo retorna.
Se, de alguma forma, a nossa caminhada litúrgica da Páscoa foi difícil, com esta “subida”, isto é, através desse vôo, nos encontramos no coração do Mistério, envolvidos por uma luz tão intensa e tão imensa, que ofusca os nossos frágeis olhos humanos!
Os textos da liturgia de hoje são expressões desse brilho ofuscante. Cada uma das leituras escolhidas sugere um passo diferente desta única e reluzente verdade.
Na primeira leitura do livro dos Provérbios (8,22-31), é dado o primeiro passo para nos aprofundarmos neste grande Mistério da Trindade. Neste passo, a Sabedoria, através de uma bela linguagem poética, é apresentada como uma pessoa que revela a sua origem eterna de Deus, a parte ativa que, na criação, age como “arquiteto”. É como se a Sabedoria pudesse ser descrita como um artista colaborador Deus na ação criadora.
Trata-se da mesma função que o capítulo primeiro do Gênesis atribui à Palavra Divina. Nos versículos seguintes, não citados nos textos da liturgia desta solenidade da Santíssima Trindade, a Sabedoria revela também a missão que deve desenvolver entre os homens, aos quais, quando é acolhida e escutada, oferece a Vida: “em meio aos quais pôs suas delícias”.
No Novo Testamento a personificação poética da Sabedoria evolui para revelar Jesus, que será, então, identificado com a Sabedoria criadora (cf. Mt 11,19; 1Cor 1, 24-30). No prólogo do Evangelho de São João é possível constatar que os muitos traços da Sabedoria são atribuídos ao Verbo, mas não só, porque também todo o seu Evangelho apresenta o Cristo como a eterna e divina Sabedoria.
Ainda na primeira leitura, que personifica a Sabedoria do Antigo Testamento, percebemos que, apesar de ser muito próxima de Deus, a Sabedoria permanece, contudo, uma criatura Sua, “o Senhor me possuiu como primícias de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas”.
A segunda leitura da carta de São Paulo aos romanos (5,1-5), num segundo passo para o aprofundamento do Mistério Trinitário, nos ajuda a perceber que o autor, com poucas frases, coloca em plena luz a grandeza e a riqueza da ação salvífica operada pelo Senhor Jesus na Sua Páscoa.
As Pessoas da Santíssima Trindade são os “atores” da salvação que está sempre em movimento, especialmente na celebração litúrgica. Isto é, Deus Pai, com o qual o Filho nos reconciliou na paz por meio da Sua morte e ressurreição, restituindo-nos a possibilidade da comunhão de vida com Ele, por meio do Espírito Santo, Dom do Pai e fruto maduro da Páscoa do Filho, derrama o Seu amor nossos corações, conforme nos recorda o autor.
É este Amor divino, que contrasta com a “tribulação” encontrada no quotidiano da nossa vida, que sustenta a paciência e a esperança de quem tem fé, levando à plenitude estas virtudes, através da progressiva e misteriosa pedagogia da fé, exercitada nas “tribulações”.
É impossível não admirar a força desta síntese perfeita entre a dimensão teológica, trinitária, cristológica e pneumática e a práxis da vida cristã, na qual a fé torna-se vida que age a partir da força do Amor Agape do Espírito, orientando a nossa vida sempre para Deus, e transformando-nos em filhos, no Filho.
O Evangelho proclamado nesta solenidade (Jo 16, 12-15), apresenta neste terceiro e esplêndido passo dedicado ao Espírito, apenas quatro versículos, que constitui a última das cinco promessas feitas por Jesus no Seu longo discurso durante a última Ceia, quando Ele toca o que há de mais íntimo e profundo no coração dos discípulos, momentos antes de chegar a Sua Hora, (as outras quatro promessas estão em: Jo 14, 15-17; 25-26; 15,26-27; 16,7-11).
Nesta última promessa Jesus se refere ao Espírito como “Espírito da Verdade”. Na linguagem de João “verdade” significa “plena revelação de Deus” que, na pessoa e no agir de Jesus, chegou à sua plenitude definitiva.
É o Espírito, derramado em Pentecostes, que introduzirá gradativamente o cristão ao longo do seu itinerário existencial de fé, e a Igreja na sua reflexão teológica, pastoral e orante, à sempre mais profunda compreensão da Revelação divina e, por conseguinte, à revelação do próprio Jesus.
Esta crescente compreensão não é apenas intelectual, mas é, sobretudo, uma compreensão oriunda da experiência, porque conduz ao conhecimento, no qual o amor é o elo primordial.
Deste “conhecimento” o próprio Jesus fala quando diz: “A vida eterna, porém, é esta, que conheçam a ti, único verdadeiro Deus, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste” (João 17,3). Esta vida eterna já tem o seu início na fase terrena da nossa vida cristã e encontrará a sua plenitude definitiva no Céu!
Nestes poucos versículos o “círculo” trinitário das Pessoas divinas é, verdadeiramente, perfeito e de uma grande clareza. As três Pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são verdadeiramente um único Deus. O batizado, a quem é prometido esse “conhecimento” divino, é convidado a entrar neste círculo de vida.
O famoso e belíssimo ícone da Santíssima Trindade sugere este convite divino. De fato, os Três Anjos sob a tenda de Abraão estão sentados em círculo em torno da mesa da Eucaristia. Não poderia ser diferente, pois é a Eucaristia que atualiza o Mistério Pascal, que por sua vez, é a síntese de toda a história da salvação.
O Anjo ao centro representa Cristo, o Senhor, cuja mão indica o Cálice Eucarístico, direção para a qual o olhar dos Três está voltado, isto é, o olhar do Pai que está à direita e do Espírito que está à esquerda.
O círculo divino não está fechado! Está aberto à frente, como um lugar vazio oferecido a quem o contempla e “recebe” o convite do Anjo que está no centro, apontando para a Eucaristia, convidando-nos a entrar nessa relação trinitária, cristológica, pneumática e eclesial.  Ou seja, convidando-nos a participar da vida da comunidade trinitária.
Para concluir, tomo as palavras do Papa emérito Bento XVI no Angelus da Solenidade da Santíssima Trindade: “É graças ao Espírito Santo, que ajuda a compreender as palavras de Jesus e guia à verdade (Jo 14,26; 16,13) que aqueles que crêem podem conhecer, por assim dizer, a intimidade do próprio Deus, descobrindo que Ele não é solidão infinita, mas comunhão de luz e de amor, vida doada e recebida num eterno diálogo entre o Pai e o Filho, no Espírito Santo – o Amante, o Amado e o Amor, como ensina Santo Agostinho”.
Neste mundo ninguém pode ver a Deus, mas Ele mesmo se fez conhecer, de modo que, com o apóstolo João, podemos afirmar: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16), e ainda: “Reconhecemos o amor que Deus tem por nós e nele cremos (Deus Caritas est, 1; 1Jo, 4,16).
Quem encontra o Cristo e com Ele entra num relacionamento de amizade, acolhe a mesma Comunhão trinitária na própria alma, segundo a promessa de Jesus aos discípulos: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e o Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23).
Para as pessoas de fé todo o universo fala de Deus Uno e Trino. Desde os espaços interestelares até as partículas microscópicas, tudo o que existe emana de um Ser que se comunica na multiplicidade e variedade dos elementos, como numa grande sinfonia.
Todos os seres são organizados de acordo com um dinamismo harmonioso que podemos, analogamente, chamar de “Amor”. Mas somente na pessoa humana, livre e racional, este dinamismo torna-se espiritual, torna-se amor responsável, como resposta a Deus e ao próximo.
É neste amor que o ser humano encontra a sua verdade e a sua felicidade. Entre as diversas analogias do mistério inefável de Deus Uno e Trino que as pessoas de fé conseguem vislumbrar, está a família. Esta é chamada a ser uma comunidade de amor e de vida, na qual as diferenças devem concorrer para construir a riqueza da comunhão. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br - www.inacianos.org.br).  


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