“O Senhor abriu-me os ouvidos; não
lhe resisti nem voltei atrás. Ofereci
as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o
rosto de bofetões e cusparadas”.
O cântico do
Servo Sofredor que ouvimos na primeira leitura (Is 50,4-7) deste Domingo de Ramos que abre as celebrações da
Semana Santa, coloca em relação a força de oferecer as costas e a face para os
torturadores e a “força” dos maus.
Significa
enfrentar a violência e a injustiça sem se opor com as mesmas atitudes violentas,
por causa da Palavra de Deus. Significa viver sob a necessidade de aprender de
Deus a não pagar o mau com o mau, mesmo com relação aos flageladores.
Porque é, antes
de tudo, a proposta que Deus nos faz de viver um amor radical, sem jamais ceder
à violência, a encontrar dentro de nós uma forte resistência a esse tipo de
conduta.
Não raro
chegamos a pensar em como pode ser possível que esta seja a vontade de Deus;
como pode ser possível que Deus queira que não respondamos ao mal, à mentira
descarada de uma situação injusta? E quanto às vítimas inocentes, quem as
vinga, se também Deus não faz nada? Se parece que Deus também não age?
Esta é a grande
e inevitável pergunta que emana do texto da Paixão de Jesus (Lc 22,14-23,56) que escutamos hoje,
mas é também a pergunta que sai do nosso coração, sobretudo quando vivemos
pessoalmente uma situação difícil, em que os prepotentes e os mentirosos, os
violentos e os arrogantes parecem sempre vencer.
No entanto, a
vontade de Deus é a que brilha na atitude de Jesus! E depois de tantos anos
após a Sua morte, o Apóstolo Paulo a descreve na carta aos Filipenses (2,8-9), "humilhou-se, fazendo-Se obediente até a morte, e morte de Cruz, como
lemos na segunda leitura.
Por obediência Jesus
aceita a morte. De novo a relação entre obediência a Deus e morte. Mas por quê?
E as perguntas aumentam gradualmente, na medida em que lemos a história da
Paixão.
Desde o início,
as palavras de Jesus aos seus discípulos soam estranhas e enigmáticas, como por
exemplo: “Agora, porém, o que tem bolsa,
tome-a, como também o alforje; e o que não tem dinheiro, venda a sua capa e
compre uma” (Lc 22,35-36). E “Por isso vos digo: esta palavra da
Escritura deve se cumprir em mim: "e foi contado entre os ímpios". Na
verdade tudo o que diz respeito a mim está chegando ao seu cumprimento."
E eles disseram: “Senhor, aqui estão duas
espadas". Mas ele disse: «basta”!
Mas o que Jesus
quer dizer? Para Ele é chegado o momento da luta. Trata-se de uma luta muito
mais interior que acontece antes de tudo dentro d’Ele, do que uma luta para se
defender.
Essa luta deverá
ser também a luta dos Seus discípulos, que terão que enfrentar um combate amargo
interno que corresponderá a optar por ouvir a voz de Deus e a fazer a Sua
vontade, trilhar o caminho da cruz, da não violência que aceita permanecer
desarmado e “nu” diante da injustiça, da mentira e da violência.
É preciso
preparar-nos, pois a luta é árdua! As espadas que lhe apresentam são
rejeitadas, porque o que está em jogo é, na verdade, a sabedoria divina que rejeita
a violência, mesmo diante da violência e procura outra forma de salvação. As espadas
as quais Jesus se refere não são as de ferro ou de aço, mas são as armas da fé
e da oração, que é possível identificar no Horto das Oliveiras, quando reza antes
de ser preso: "Rezem para não caírem
em tentação."
Fica claro,
portanto, que a oração enquanto comunhão, intimidade e proximidade com Deus é a
arma que nos ajuda na luta contra as tentações.
E quanto às
tentações, à quais delas Jesus se referia? Trata-se da tentação de pegar as
espadas, isto é, de responder às contradições e à violência das situações da
vida com a mesma violência, multiplicando assim o mal, e não o vencendo.
A oração é a
verdadeira arma capaz de recarregar o nosso coração com as energias que
necessitamos para enfrentarmos o mal com o bem, e assim, seguir Jesus.
“Não encontro neste homem nenhum motivo para
condená-lo”, dirá
Pôncio Pilatos aos chefes dos sacerdotes.
Quando alguém faz
a experiência do mal, e se mantém inocente, isto é, sem motivos para ser
condenado, esta é a vontade de Deus. O caminho de Jesus é o caminho do inocente
que permanece inocente, também porque decide não responder ao mal com o mal que
lhe é infligido pelos outros.
Finalmente, a
narração do Evangelho da Paixão fala
das mulheres que preparam aromas e óleos perfumados para ungir o corpo de
Jesus. Mas é preciso lembrar que, apesar
da boa vontade e devoção das mulheres, essa preparação será inútil, porque elas
não encontrarão mais o corpo de Jesus no sepulcro. Ressuscitando Jesus da morte, Deus colocará a
sua marca decisiva na questão deste inocente, que não tinha nenhum motivo para
ser condenado, e que escolhe percorrer o caminho da mansidão e da
não-violência, aceitando, inclusive, ser morto e não se tornar vingativo, pagando
o mau com o mau, tornando-se injusto como os seus algozes.
Deus, fazendo-O
ressurgir da morte para a vida, vai dizer a todos: esta é, na verdade, a vida
humana como desejo, Este é o verdadeiro Adão plasmado pelas minhas mãos no início,
o inocente que luta para manter-se inocente, mesmo no confronto com a experiência
do mau.
Nós também
podemos escolher viver assim, como Jesus, segundo a vontade de Deus, no amor. Isso
não é fácil, simples ou espontâneo. É fruto de uma luta, que começa pela
escolha por obedecer a Palavra de Deus, por escutá-la, e por colocá-la em
prática, mesmo nas situações mais difíceis e dolorosas que a vida nos apresenta.
(Frei Alfredo Francisco de Souza, Sia -
Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br
– www.inacianos.org.br) .
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