(Liturgia
do Terceiro Domingo da Quaresma)
A primeira leitura deste Terceiro Domingo da
Quaresma (Ex 3,1-8 a.13-15) nos apresenta
a figura de Moisés como um predestinado, salvo das águas, que precisava
sobreviver porque era destinado a uma grande missão. A leitura retrata o
momento do chamado no qual Deus se manifesta com sinais extraordinários, porque
a incumbência que vai lhe confiar é igualmente extraordinária.
A seqüência dos verbos nesse texto delineia a
fisionomia profunda dos dois personagens em questão. O primeiro é Moisés, cuja história
é conhecida, salvo das águas pela filha do faraó, envolvido em uma briga para
defender um irmão judeu, e que foge para o deserto, tornando-se, então,
defensor das filhas de Jetro. É agora um humilde pastor de ovelhas de seu
sogro. Chega, por acaso, ao "monte de Deus, o Horeb" e torna-se
espectador de um fenômeno extraordinário. Trata-se da sarça ardente e que não se
consome; "Vou aproximar-me desta visão extraordinária, para ver porque a sarça não se consome".
O outro personagem é Deus presente na sarça. Ele
percebe que Moisés se aproxima e o chama pelo nome, ao que Moisés responde: “Aqui estou”! A resposta de Moisés já o
coloca num movimento de disponibilidade para ser instrumento da obra salvífica
de Deus, assim como responderam também Samuel, Isaías, Maria e tantos outros.
Os verbos que se seguem: vi (a aflição), ouvi (o
clamor), conheço (os sofrimentos), desci (para libertar) e
fazer (sair) indicam um lembrete
importantíssimo. Foi Deus quem tomou a iniciativa de salvar seu povo; e Ele poderia
ter agido sozinho e imediatamente. Contudo, escolhe um colaborador que, através
das Suas ordens, concluirá a missão extremamente desafiadora, por longos
quarenta anos.
Deus, portanto, se faz presente e age de forma
extraordinária para chamar a atenção do homem. Este, por sua vez, se aproxima
de Deus para ver e compreender, o que significa dizer, que
ele faz uma profunda experiência com Deus. É nesse momento que Deus se revela
como Aquele que É e aquele que vê!
Moisés diz a Deus o seu nome e Deus também se
deixa conhecer, manifestando a sua essência. Esse conhecimento recíproco está
no início do caminho do Êxodo, bem como no começo da nossa caminhada quaresmal,
como caminho de conversão.
Nesse processo, Deus nos chama pelo nome, nos
faz conhecer o Seu nome e no Seu nome podemos aprender o percurso planejado por
Ele, cujo objetivo e ponto de chegada é a Páscoa.
O texto do Evangelho de hoje (Lc 13,1-9) é constituído de duas
partes, dois momentos provocativos. No primeiro momento apresentam um problema
a Jesus. Problema, aliás, presente em todos os tempos.
Trata-se de dois eventos que agitam a
consciência despertando questões difíceis de resolver. Um poderoso, nesse caso,
Pilatos, havia ordenado um verdadeiro massacre de galileus inocentes sob o
pretexto de realizar um sacrifício aos deuses. É o homem usando o poder e a
autoridade para oprimir os mais fracos, derramando o sangue de inocentes.
O segundo momento apresenta uma fatalidade. Uma
torre que cai de repente e atinge tragicamente dezoito pessoas, matando-as. Entre
os acontecimentos, é inevitável perguntar: por quê? Será que Deus se serve dessas
contingências para eliminar ou castigar os maus?
Infelizmente, esta tem sido uma tentação na
qual homem tem caído ao longo da história: genocídio, tortura, pena de morte,
eutanásia, aborto, exploração dos mais fracos etc.
São manifestações do agir humano que faz
parecer correto eliminar quem está irreversivelmente doente de corpo e mente,
quem é considerado indesejável ou quem não traz nenhum “benefício” à sociedade.
Mas Jesus revela qual são os critérios e o estilo de Deus, muito diferentes dos
critérios e estilo humanos.
Deus deseja apenas a salvação e, por isso,
espera que cada pessoa oriente constantemente o próprio caminho e as próprias escolhas
por Ele e a Ele.
Contudo, àquele que se preocupa apenas em
acumular riquezas Deus diz: “Tolo, nesta
noite mesmo pedirão a tua vida... e o que tens preparado, para quem ficará”? (Lc 12,20), o que nos avisa que o temor
de uma morte iminente deve ser motivo para a conversão, para mudar a direção de
nossos interesses e desejos.
A segunda parte do Evangelho apresenta uma
pequena parábola que contém dois personagens. O proprietário da figueira e seu
empregado.
O patrão vê uma figueira que não produz figos
e, portanto, quer tomar uma atitude quanto a essa esterilidade, cortando a
árvore. O agricultor, ao contrário, quer salvar a figueira, sugerindo ao
proprietário mais uma chance, isto é, quer dar mais um ano para que ela produza
algum fruto, retomando assim, o objetivo da sua existência, para que permaneça
viva.
A sugestão do empregado é, certamente,
representativa da lógica de Deus, que é aqui apresentado como Aquele que quer
salvar, que concede tempo e que espera. Além disso, a narração sublinha a
espera de um Deus que espera operosamente.
Deus age cavando ao redor da figueira, colocando
adubo para fertilizá-la, com o objetivo de uma possível transformação da
figueira estéril.
Do ponto de vista humano, uma atitude positiva
para a necessária mudança de uma vida estéril para uma vida fértil. Esta é a
finalidade do tempo da quaresma, tempo da espera paciente e operosa de Deus.
A segunda leitura (1Cor 10,1-6.10-12) retoma o tema
da necessidade de ler os acontecimentos dramáticos da vida como “aviso”
e como uma exortação à vigilância, estimulando a conversão.
Enquanto os episódios narrados pelo Evangelho
são fatos contemporâneos, Paulo, na passagem da carta aos Coríntios, faz
referência à história dos “pais” do Antigo Testamento, lembrando que as experiências
do Êxodo “aconteceram para serem exemplos
para nós, a fim de que não desejemos coisas más, como fizeram aqueles no
deserto”.
Ao apresentar
a experiência da caminhada do Êxodo, nos lembra as experiências propostas no
caminho quaresmal, que compreende a saída de uma visão distante de Deus e o
retorno, ainda que longo e cansativo, para uma vida de fé intensa.
Paulo vê no
rochedo que dava forças para continuarem a caminhada pelo deserto a presença de
Cristo. Hoje o rochedo, isto é, Cristo como comida e bebida nos dá força e
vigor para caminharmos, através da Eucaristia, força incomparável para
sustentar o esforço rumo à nossa conversão.
O duvidar d’Aquele que age, que opera pela nossa salvação, que nos nutre
para sustentar o nosso caminho, o não colocar n’Ele toda a esperança, é isso
que nos impede de caminhar, como aconteceu aos que murmuravam na estrada do
Êxodo. É nesse ponto que a árvore torna-se estéril, sem frutos.
O castigo dos nossos pais na experiência do deserto também constitui um “exemplo”
como uma Palavra de Deus que convida a aderir com fé ao Seu amor que salva. Se compreendermos
a profunda sabedoria das leituras de hoje para a vida, podemos cantar com o
salmista (Sl 102):
Bendize, ó minha alma, ao Senhor
e todo o meu ser seu santo nome!
Ele perdoa todas as tuas culpas
e cura toda a tua enfermidade
o Senhor é indulgente e favorável
é paciente, é bondoso e compassivo
quanto os céus por sobre a terra se elevam
tanto é grande o seu amor aos que o temem.
A Eucaristia de hoje é para
nós como aquela sarça que arde e que não se consome. Aproximemo-nos para ver de
perto esse grande mistério, então ouviremos a voz de Deus que chama a cada um de
nós a unir-nos ao sacramento da humanidade de Cristo que, presente no fogo do
Espírito, não se consome, mas nos transforma quando
a Ele nos unimos, comendo e bebendo da Rocha espiritual. Revigorados por esse
alimento nutritivo podemos ser assim, mensageiros do amor misericordioso de um
Deus que perdoa e salva. (Frei Alfredo
Francisco de Souza, SAI – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.b – www.inacianos.org.br)
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