(Liturgia do
Quarto Domingo da Quaresma)
O
título deste quarto domingo da Quaresma poderia ser: "Começar uma nova
vida". "Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho
desapareceu. Tudo agora é novo!",
proclama são Paulo na segunda leitura aos Coríntios (2Cor 5,17-21).
O
filho pródigo do Evangelho de Lucas (Lc
15,1-3.11-32) começa uma vida totalmente nova, depois de ter recebido o
perdão total e incondicional do Pai misericordioso.
Na
primeira leitura (Js 5,9a.10-12) o
povo de Israel também começa
uma aventura novíssima, depois da entrada, tão esperada, na terra prometida.
A palavra início, princípio ou
começo é de grande importância na bíblia. É a primeira palavra da Escritura: “No princípio
Deus criou o céu e a terra”, como também a primeira palavra do Evangelho de
São João: “No princípio era o Verbo”, e
de São Marcos, que começa exatamente assim: “Início do Evangelho de Jesus Cristo,
Filho de Deus”.
O início de qualquer coisa nova é,
geralmente, acompanhado de emoções contrastantes. De um lado há o temor de deixar
um caminho ou uma experiência antiga para começar um caminho ou experiência
nova. Neste caso, sabe-se o que está perdendo ou deixando, mas não se sabe o que
esperar.
Por outro lado, há o entusiasmo
da novidade, do diferente. Na verdade o mundo é bonito, justamente, porque é
diferente. Graças a Deus a vida cristã não é feita apenas de eventos que se
repetem, mas é marcada profundamente pela novidade. Portanto, a novidade é a condição
fundamental que nos define como cristãos: “Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova”!
Nestes últimos dias
estamos assistindo a algo verdadeiramente especial. Trata-se do início do
processo de um novo pontificado, depois da renúncia do Papa Bento XVI. Começa
algo novo na Igreja e para a Igreja, que de certa forma, atinge o mundo inteiro.
Algo que devemos acolher num clima de novidade, de novo. Por que temer?
A Palavra de
Deus hoje nos ajuda a compreender que a novidade não deve nos causar medo
porque o futuro está nas mãos de um Pai amoroso e misericordioso, como o pai do
jovem do Evangelho de hoje.
Quando se inicia uma nova
experiência é importante ter em mente que é nova, isto é, diferente do passado!
É uma oportunidade totalmente original, oferecida para caminhar com esperança e
alegria rumo ao futuro.
A Palavra de Deus é dinâmica, não
estática. É a própria Palavra que nos ensina que não devemos ter medo das
coisas novas, pois a novidade não é conservadora, mas nos chama a progredir e,
portanto, é progressista. Significa dizer, portanto, que exorta o homem a não
ter medo de enfrentar a novidade, e o desafia a não refugiar-se no passado, mas
a caminhar alegre na direção do futuro, preparado por Deus para nós.
“O mundo velho desapareceu”, anuncia São Paulo aos novos batizados
de Corinto. A recomendação é para que os cristãos não busquem refúgio, nem se
instalem num mundo e numa condição que não deve mais fazer parte das suas vidas!
É preciso ir adiante!
O maná acabou no dia seguinte
para os israelitas que iniciaram a sua nova vida na terra prometida e “naquele ano começaram a comer os frutos da
terra de Canaã”. O maná pertence ao passado e, de agora em diante, devem
experimentar e saborear coisas novas, frutos diferentes.
Assim como para o filho
arrependido que volta para a casa paterna, o alimento é um verdadeiro banquete
de festa! Tudo novo, a lavagem dos porcos é agora coisa do passado!
“E começaram a festa!” nos diz a parábola do Pai Misericordioso.
Aqui não se lembra mais o pecado do passado. Há uma nova vida para viver, na
casa do pai. Uma vida amadurecida pela experiência do distanciamento. É um novo
começo, outra chance, oportunidade para recomeçar o caminho andando com passos
diferentes, mesmo que o irmão mais velho não acredite que isso seja possível.
Não importa! Deus acredita em nós, e isso basta!
Este é o estilo da novidade de
Deus. Tudo se desenrola dentro dos parâmetros desse estilo. Os elementos
psicológicos humanos, como costuma acontecer, estão em contraste com a lógica
de Deus.
O Pai perdoa de verdade e faz
tudo novo a partir do seu perdão. Não se lembra mais do pecado do homem e o
convida a recomeçar, oferecendo-lhe a possibilidade de começar uma vida nova,
mas com o compromisso inadiável de dar um passo importante, que consiste em
aceitar o amor incondicional de Deus, o Pai. Aqui descobrimos que é possível se
tornar uma pessoa diferente, lembrando que até mesmo a viagem mais longa e
distante começa com um primeiro passo.
As leituras desta missa nos levam
a analisar o passado, o presente e o futuro, ou o antes, o hoje e o depois da
nossa vida, esclarecendo o significado do termo novidade, segundo a lógica de
Deus.
Na primeira leitura o antes, ou o
passado é constituído pela escravidão do Egito, marcado pela humilhação, pelo
sofrimento e pela falta de liberdade. O povo de Israel faz um duro caminho de
purificação no deserto. Caminho este que preparou os seus corações para se
tornarem um povo novo.
Para
Israel, que carrega o fardo desse passado, Deus diz: “Hoje tirei de cima de
vós o opróbrio do Egito”. Neste ponto, Deus
marca pontualmente o tempo. “Hoje”, isto é, no tempo do cumprimento da promessa.
A experiência do começo de uma
vida nova é acompanhada pela celebração da Páscoa, pela primeira vez, na
condição de povo livre. É por isso que a novidade é celebrada com um rito, na
presença do Senhor.
O depois, ou seja, o futuro de
Israel, começa no dia seguinte: “No dia seguinte à Páscoa, comeram dos produtos da
terra, pães sem fermento e grãos tostados nesse mesmo dia”.
O mesmo dinamismo aparece na segunda
leitura. “O
mundo velho desapareceu”! Não existe
mais, e por isso mesmo, não devemos mais, sequer, olhar para ele. Paulo pode
proclamar isso aos coríntios porque ele próprio fez essa experiência, passando de
perseguidor da Igreja a alguém que foi perdoado e regenerado para começar uma vida
nova. O hoje é marcado por um convite a acolher gratuitamente
o amor de Deus, permitindo a reconciliação, a volta e reaproximação que Deus
tanto espera de nós!
Como
o Pai é livre na doação do Seu amor, o Filho é livre no acolhimento, e o
Espírito é livre na comunhão, assim os cristãos devem ser livres na aceitação da
novidade de Deus: “Deixai-vos reconciliar
com Deus”! Nestas
palavras, que dizem respeito ao hoje do cristão, há quase uma passividade. O
que devo fazer? Deve deixar-se amar. Deve permitir a Deus que o reconcilie com
Ele.
O depois, isto é, o futuro, do
qual fala a segunda leitura é o envio ao mundo como embaixadores de uma vida
nova, como pessoas que falam como se fossem a voz do próprio Deus no meio de
nós, convidando os povos a acolherem o amor regenerador de Deus.
O Evangelho também nos mostra um ontem,
um hoje e um amanhã.
O pecado foi concebido e
preparado, poderíamos até dizer que foi premeditado, pelo filho pródigo.
Cultivado na consciência, esse pecado o levou a desejar a morte de seu pai e o
conduziu a uma vida corrompida.
Mas a decisão de pedir perdão ao
pai indica o divisor de águas no texto: é o hoje da graça, que o faz começar uma
vida nova.
O depois, o futuro, não conhecemos,
porque o Evangelho não nos fala. Podemos imaginar que tenha sido caracterizado
por uma vida diferente, em companhia do irmão mais velho, que não tinha
compreendido nada do estilo e da lógica do seu Pai.
Mas, na verdade, o que importa é
fazer a experiência pessoal de ser perdoado e regenerado para uma vida nova, e
se os outros não acreditam, não importa. O que importa, de fato, é que o Pai
acredita!
O dinamismo da Palavra de Deus
nos interpela de modo pessoal. Nós também temos um passado, um presente e um
futuro. Há os que tem pouco passado e muito futuro, como as crianças e os
jovens, por exemplo. Há os que tem muito passado e pouco futuro, como os
idosos. Todos, porém, temos o hoje
da graça, que é próprio deste tempo em que nos preparamos para celebrar a
ressurreição de Jesus, que nos insere numa perspectiva de vida totalmente nova.
A Quaresma nos recorda que a
graça de Deus trabalha nos corações de todos os homens e mulheres e a todos é
oferecida a possibilidade da conversão. Rezemos para que todos nós possamos
acolher hoje o amor incondicional de
Deus, que nos ajudará a dar o primeiro passo para um amanhã, na alegria do novo
começo de uma vida nova! (Frei Alfredo
Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br – www.inacianos.org.br).
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