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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sábado, 8 de setembro de 2012

EFATÁ! – DA ESCUTA À PROFECIA

(Liturgia do Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum)

As situações dramáticas da vida, geralmente, emudecem a palavra. Emudece até mesmo quem tem necessidade de exprimir os próprios sentimentos. Na verdade, chegam a provocar a “surdez” também naqueles em que a dor é tamanha, que não há o que possa consolar.
Diante de um luto grave, um acidente trágico ou da descoberta de uma doença grave, de fato, não é fácil estar ao lado das pessoas afetadas por esses eventos e, ao mesmo tempo, falar uma palavra sensata. Às vezes, o silêncio que anuncia apenas a presença amiga e solidária e nada mais, é o suficiente. Quando é possível, assim prefiro!
Um dos serviços do ministério ordenado é estar presente em momentos difíceis de dor e sofrimento na vida do nosso povo. Já tive a triste missão de consolar uma família cujo pai acabava de ser sepultado. O motivo da morte foi um infarto fulminante deixando, assim, uma jovem viúva com quatro filhos ainda bem pequenos.
A morte nessa circunstância se apresentou ainda mais inacreditável e paradoxal, pelo fato de que, há pouco menos de um ano, o mesmo pai tinha superado, corajosamente, as marcas terríveis de um acidente automobilístico que o havia impossibilitado sem andar ou trabalhar durante quase um ano. De fato, havia pouco tempo que estava recuperado.
Sem considerar que o evento da morte por uma causa inesperada e imprevisível gera, indubitavelmente, nos presentes as perguntas: mas como isso é possível? Por quê? Onde estava Deus nesse momento? Por que Deus permite tal coisa? , E agora, como ficam a esposa e os quatro filhos pequenos?
Nesses momentos, dizer alguma coisa é como se, de repente, todas as palavras “cabíveis”, isto é, apropriadas e necessárias, desaparecessem do vocabulário!
Mas também quem escuta as poucas palavras dos muitos que estão ao redor nessa hora, desejaria , talvez, ficar surdo às inúteis expressões dirigidas ao inconsolável, palavras e expressões incompreensíveis. São palavras ditas com a melhor das boas intenções, contudo, insuficientes e inúteis para atingir a dor de quem está sofrendo.
Onde buscar forças para poder dizer: “coragem”! Ânimo! Como não correr o risco de se tornar banal, inoportuno e até mesmo “inconveniente”? Afinal, somos limitados!
Mas Deus não! Ele vai decididamente de encontro à fragilidade das situações humanas de todos os tipos. É capaz de atingir e “tocar” todas as perdas e a desolação com o grito profético: "coragem”! Não tenha medo"! “Criai ânimo”! Fala pela boca de Isaías na primeira leitura (35, 4-7a).
É a primeira leitura ainda que apresenta a marca de um Deus que se compromete nas situações mais difíceis, inclusive, expondo-se e prometendo aquilo que, humanamente, não se pode esperar. “... se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos ...”!
De fato, Ele diz e faz! O povo de Israel precisa aceitar o desafio da salvação, trazido por esse anúncio. Deus intervém com este convite e espera coragem e confiança na sua ação salvífica, ainda que seja nos momentos mais decisivos, difíceis e críticos, humanamente no limite do impossível.
A proximidade de Deus com o Seu povo é motivo de profunda consolação. “Vede, é vosso Deus”! Trata-se da certeza de uma solução, uma saída e uma luz nos momentos marcados pela provação, pela dúvida e pela dor.
Nas mãos de Deus, mesmo as situações mais difíceis podem contribuir para algo novo, diferente, isto é, para a vida. Tudo desperta, como a primavera, fazendo ressurgir tudo aquilo que estava destinado a “morrer”, na escuridão.
A participação na salvação anunciada pelo Senhor, comunica que tudo e todos serão envolvidos beneficamente, e portanto, a criação tocada pela intervenção de Deus é uma criação totalmente restaurada.
A harmonia perdida é recuperada, a criação torna-se um hino de louvor: “Bendirei ao Senhor toda a vida”! (Sl 145), é o solene reconhecimento da intervenção de Deus.
Vede, é vosso Deus, (...) é a recompensa de Deus; é Ele que vem para vos salvar”! Sem exclusão geográfica, envolvendo regiões pagães inteiras, como a região da Decápole, indicada no Evangelho. Jesus cumpre a profecia de Isaías e faz notar isso através do jeito decidido de viver a Sua caminhada missionária!
Muitíssimo diferente de nós, humanamente limitados até mesmo nas palavras, Deus não só fala, mas faz! De repente, apresentam o homem surdo-mudo. Suplicam a Jesus para que imponha as mãos sobre ele e Jesus, no gesto das mãos abertas, expressa o senhorio de Deus, a soberania e o poder até mesmo sobre as forças da natureza.
Todo o gestual de Jesus, ou seja, a “liturgia” que realiza, expressa nos verbos “afastou-se – colocou (os dedos) – cuspiu – tocou – olhando (para o céu) – suspirou – corre o risco de ser interpretada como o agir de um “feiticeiro”, ou um curandeiro qualquer.
Parece que Jesus recorre a gestos mágicos e estranhos, pronunciando palavras misteriosas, quase “sem sentido”.  Mas é através do que “escapa” ao humano, que o poder de Deus, expresso no gesto de Jesus, (“olhando para o céu”), está de novo operando.
Dedos e saliva são os elementos utilizados para a nova criação. Jesus é o salvador anunciado, é a presença consoladora de Deus no meio de nós. Os sinais que Ele realiza são sempre em relação aos pobres, respondem às aspirações mais profundas do ser humano que necessita da “cura” e quer ser, novamente, introduzido na sociedade, como uma pessoa capaz de participar, comunicando-se.
O surdo-mudo é conduzido para fora da multidão, encontra-se, portanto, diante de Jesus, como Adão, o primeiro homem plasmado estava diante de Deus, mas não ainda como o “ser vivente” (Gn 2). Passa a ser “vivente” de uma vida nova quando Jesus lhe transmite a Sua força.
Então, a velha criatura é recuperada e a natureza é restaurada. O sopro de vida produz a “nova criação” e o suspiro de Jesus soa como um “eco” da participação no sofrimento do surdo-mudo e também como premissa da cura: “Efatá”! Abre-te! 
A abertura do céu, isto é, da “morada” de Deus, é condição para a abertura dos ouvidos e para o “destravamento” da língua do homem. Em Jesus irrompe “do céu” o poder do próprio Deus ... da vida!
Na catequese de Marcos, na verdade, o surdo-mudo é o protótipo do catecúmeno que ainda está limitado diante da Palavra e da Luz de Cristo e, portanto, incapaz de exprimir corretamente a própria fé. Mas é ele quem proporciona o encontro radical com Jesus e deixa explícito que o itinerário a ser percorrido é de vida e de luz.
O texto do Evangelho de hoje nos interpela e nos provoca à escolha pessoal, a sairmos do senso comum e do anonimato da multidão, para “estar diante” do Mistério da Luz que, gradualmente, introduz o catecúmeno no “Efatá” de uma vida cristã plena.
A liturgia batismal confere à narração de Marcos uma atualidade extraordinária, sobretudo quando recordamos que o batismo termina, justamente, com a celebração dos ritos, ou de pelo menos parte deles, realizado por Jesus.
Está claro que a fé dos discípulos está, constantemente, um pouco “aquém” da direção e do brilho da Luz.
Eis aí o itinerário catecumenal que conduz na direção certa para que se adquira uma identidade sempre mais configurada a de Jesus Cristo. Isso começa a acontecer quando nós, discípulos, vamos alcançando a maturidade da Escuta e da Profecia, assim como os discípulos do Evangelho de hoje: “Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quando mais Ele recomendava, mais eles divulgavam”. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br – Website: www.inacianos.org.br).

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