(Liturgia
do vigésimo primeiro domingo do Tempo Comum)
Estamos encerrando o mês de
agosto em que somos convidados a vivenciar tão intensamente, a cada final de
semana, a temática da vocação.
É um tempo precioso
espiritualmente e nos convida a deixar a correria do dia a dia para olhar para
si mesmo, e para verificar a qualidade da resposta que estamos dando diante da
vida e do caminho escolhido ou ainda a escolher.
Somos convidados a perceber algo
importante, diante disso: não viemos ao mundo para viver estressados com tanta
correria, nem para ganhar cada vez mais dinheiro, a fim de garantir a todo o
custo um futuro seguro.
Viemos a este mundo por amor e
como um dom de Deus e de nossos pais e, por isso mesmo, a vida nesta terra é o
tempo e a oportunidade para correspondermos a esse dom.
É claro que temos que trabalhar,
estudar, crescer, viajar e batalhar por uma vida sempre melhor. Porém, tudo
isso deve ser vivido de um modo como se estivéssemos percorrendo um caminho que
leva ao encontro de uma descoberta, na certeza de que alguém nos espera no
final dessa jornada, mas também que a Sua presença já é percebida e sentida no hoje
da nossa vida, certos de que, na tentativa de amar as pessoas com as quais
vivemos, já estamos respondendo a um convite para viver intensamente a vida!
É importante parar por um momento
e perguntar: o que este mês de agosto que está terminando me trouxe? Consegui
recuperar o sabor do relacionamento com os meus familiares, com minha
comunidade, com os amigos? O que ficou marcado em mim e que não posso esquecer
quando aceitei o convite a refletir sobre o chamado para ser pai, mãe, catequista, sacerdote, religioso, religiosa?
Entre as oportunidades que este
mês de agosto me deu para aprofundar as escolhas feitas e as opções que a vida
apresenta está a palavra de Deus na liturgia. O Evangelho dominical, desde o
último domingo de julho até este vigésimo primeiro domingo do tempo comum, ofereceu-nos,
inserido no ano B - do Evangelho de Marcos - a leitura do sexto capítulo do
Evangelho de São João, que é todo dedicado ao tema do “Pão da vida”.
Neste domingo a liturgia nos
apresenta a leitura da sua conclusão (Jo 6,60-69), que enfatiza a reação dos
ouvintes de Jesus. Talvez essa página, juntamente com as duas leituras (Js 24,1-2ª.
15-17.18b) e (Ef 5,21-32) com o salmo (33) propostos, podem nos ajudar a chegar
ao final deste mês vocacional e a preparar-nos para concluí-lo com um “saldo”
bem positivo, e com alegria perceber que a nossa vida é vivida com sentido, voltada
ao horizonte de um ideal.
Jesus havia apenas terminado de
concluir o discurso sobre o “Pão da vida” na sinagoga de Cafarnaum. Os
discípulos que O escutaram reagiram. É muito difícil compreender o que Jesus
disse: “Em verdade, em verdade vos digo,
se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não
tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida
eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”! (20º domingo do tempo comum B
– Jo 6,51-58).
Se
já é difícil compreender o sentido das palavras de Jesus, pois Ele pede aos
discípulos para entrarem em uma profunda comunhão com Ele, participando do Seu destino
de morte e ressurreição, mais difícil ainda é aceitar essa proposta.
Jesus
lê nos rostos dos seus discípulos o desconcerto e entende a sua murmuração, que
recorda a murmuração dos israelitas no deserto, e procura ir ao seu encontro.
O
mais difícil não é entender as palavras, mas crer que aquele que disse que
desceu “do céu”, como também crer
que aquelas palavras são a vontade de Deus para nós, é o caminho para a vida
verdadeira.
Além
do mais, como é difícil explicar quando alguém não quer compreender! É uma
experiência frustrante! Na verdade, Jesus encontrou gente de mente e coração tão
fechados que não estavam dispostos a aceitar nem a promessa, “terá a vida eterna”, tampouco a
explicação que se concentrava no fato de ter “descido do céu”, e por isso mesmo, ser um pão diferente!
Na realidade, a questão central afinal,
não é tanto aquilo que Jesus disse, mas quem é Ele para mim. Jesus é o Filho de
Deus ou um mais um dos muitos pregadores? É alguém que disse coisas mais
interessantes do que os outros, ou é o único que pode dar resposta à nossa sede
de felicidade e ao anseio por algo sempre novo e sempre maior? “Só tu tens palavras de vida eterna”!
Ser cristão, no fundo, é
responder a cada dia a esta pergunta. Jesus nos avisa que a resposta não
depende tanto da nossa boa vontade ou da nossa inteligência, isto é, a
capacidade humana indicada na bíblia pela palavra “carne”, mas que ela é dom do Espírito de Deus.
Crer em Jesus e seguí-Lo não é
fruto apenas de uma simpatia meramente humana ou de uma sintonia que ocorre de
modo espontâneo. Haja vista que, na caminhada de fé de cada um de nós, chega um
tempo em que aquilo que é humano não é mais suficiente. Portanto, a escolha de
permanecer fiel a Ele só é possível pela fé.
Jesus sabia que entre os seus
seguidores nem todos estavam dispostos a chegar até este ponto. De fato, após o
discurso sobre o pão da vida, muitos o abandonaram. É importante observar que
Jesus nem os criticou nem tampouco correu atrás deles para fazer uma
“pechincha”. Muito menos aliviou ou adequou o discurso ao seu gosto! Ao invés
disso, Ele pergunta aos doze que ficaram ali perto dele se eles também queriam
ir embora, ou ainda, se a escolha desses seria também não aceitar aquela
verdade, ainda que muito dura, sem medo de permanecer sozinho.
Na verdade, o que Jesus faz é
provocá-los no sentido de tomarem uma decisão firme, pessoal e clara quanto à Sua
pessoa. Eles precisam decidir se vão escolhê-Lo com liberdade de mente e de
coração.
Pedro, mais uma vez em nome dos
outros discípulos, declara abertamente aquilo que quer, isto é, permanecer com
Jesus, porque só Ele tem palavras de vida eterna.
Diferente dos outros que O
abandonaram, percebeu que, embora a decisão requeira uma confiança total, ainda
que sem provas científicas, opta pelo permanente ao invés do provisório, pelo
eterno, ao invés do passageiro.
Na verdade, o que Pedro faz é uma
belíssima profissão de fé, totalmente centrada na pessoa de Jesus e não sobre
si mesmo ou sobre as capacidades ou forças humanas. Esta é uma das muitas reviravoltas
que encontramos no Evangelho. Isto é, diante da perda de um grande número de
discípulos, a preocupação de Jesus não está no número que diminui, muito menos
no “sucesso” para o qual a quantidade às vezes, ilusoriamente, pode indicar.
A Sua preocupação está em
esclarecer as motivações daqueles que continuam com Ele. Dos seus seguidores,
ainda que poucos, Ele espera que saibam o que estão fazendo. Espera que deem um
salto de qualidade, que sejam pessoas que saibam dar razões da sua fé! Uma
lição para nós nesses tempos difíceis em que a ilusão das multidões e do
sucesso repentino também é para nós uma tentação?
Se as razões são apenas motivos
humanos, isto é, provindas da “carne”, não vai durar muito tempo. Mas se
estiverem fundamentadas na fé firme e consciente, ou seja, motivadas pelo
Espírito, pelo chamado de Deus, então elas vão perdurar. É coisa de Deus, como
dizemos comumente.
Trata-se de fazer uma mudança de
“marcha” da primeira para a segunda, e assim, sucessivamente. Uma “viagem”
muito semelhante a um novo nascimento, como disse uma noite numa conversa com
Nicodemos, ou a uma “morte”, como dirá diante do sepulcro do amigo Lázaro. Esta
passagem é algo a ser levado muito a sério na caminhada da vida e da fé cristã.
Aliás todo o resto depende dessa
"porta estreita", pela qual é necessário passar. Jesus, que foi o
primeiro a passar, é o Mestre que quer segurar a nossa mão, para que também
nós a atravessemos.
Ter fé n’Ele não significa apenas
ser um vencedor diante das dificuldades, mas confiar que uma vida mais plena
pode nascer das “mortes” pelas quais temos que passar no dia a dia.
Se a leitura dessa página do
Evangelho de São João for feita nessa perspectiva, podemos compreender e sentir
mais perto a cena da renovação da Aliança com Deus no final da entrada na terra
prometida, antes que Josué morra, depois de completar a sua missão, conforme a
primeira leitura. Ali também há que se fazer uma opção: fidelidade ou
facilidade? A resposta é firme: “Eu e
minha família serviremos ao Senhor”!
O mais importante, parece
dizer-nos a primeira leitura, não é ter uma terra onde morar, mas decidir a
qual Deus seguir, a quem servir, porque Deus é a verdadeira pátria do povo, o
seu verdadeiro destino.
Da mesma forma que optar por
Cristo e não abandoná-Lo, significa viver todas as relações nesta nova luz.
Uma
das relações mais importantes na vida é relação entre marido e mulher. Paulo, na segunda leitura, mostra
o que se torna essa relação para aqueles que a vivem “em Cristo”. Ele aproveita o tipo de relacionamento matrimonial do
Oriente Médio sem louvá-lo, para dar-lhe um sentido cristão, fundamentado no tipo
de relacionamento de amor de Cristo para com a Sua Igreja, informa o comentário
do missal dominical.
É uma relação de doação mútua,
isto é, de reciprocidade, que se exprime em atitude de submissão livre e de
amor autêntico. Trata-se de um relacionamento em que a opressão não tem lugar,
pois só se deve ser submisso ao amor!
A vida equilibradamente
partilhada e vivida nos moldes do amor de Cristo para com a humanidade é a
marca registrada desse relacionamento. Não há lugar para machismo e muito
menos para humilhação, nem da parte do homem e nem da mulher.
Esta relação é um caminho que se
percorre vivendo a passagem contínua da “carne” ao “espírito”, da qual Jesus
fala no Evangelho. A vida matrimonial dos cristãos é um grande mistério, porque
o seu relacionamento quotidiano é chamado a atingir a “estatura de Cristo”.
Quanto a nós, estamos dispostos a
crer que a nossa vida não depende apenas das nossas próprias forças, mas também
da graça de Deus, para continuar a
buscar a comunhão com Jesus na escuta da Sua Palavra e no sacramento da
Eucaristia, para viver a relação matrimonial como caminho de seguimento e de
imitação de Cristo?
Ao
final do mês vocacional em que o chamado e a resposta foram temas de reflexão
para toda a Igreja, Jesus continua a nos perguntar também, quando muitos já o
abandonaram e não conseguem aceitá-Lo como o Pão vivo e verdadeiro descido do
Céu, comida e bebida eucarística para a vida verdadeira: “Vocês também querem ir embora”? A resposta depende de cada um de
nós! (Frei Alfredo Francisco de Souza,
SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br –
Website: www.inacianos.org.br).
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