(Liturgia
do Décimo Nono Domingo do Tempo Comum)
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É uma atitude estranha nesse
homem, porque ele é um dos grandes profetas, um gigante da fé, de quem o livro do
Eclesiástico fala nestes termos: “Surgiu
o profeta Elias. Suas palavras queimavam como uma tocha ardente. Elias, o profeta,
levantou-se em breve como um fogo. Com a palavra do Senhor ele fechou o céu, e
dele fez cair fogo por três vezes. Quão glorioso te tornaste, Elias, por teus
prodígios! Quem pode gloriar-se de ser como tu? Tu que fizeste sair um morto do
seio da morte, e o arrancaste da região dos mortos pela palavra do Senhor; tu
que lançaste os reis na ruína, que desfizeste sem dificuldade o seu poder, que
fizeste cair de seu leito homens gloriosos. Tu que ouviste no Sinai o
julgamento do Senhor, e no monte Horeb os decretos de sua vingança. Tu que
sagraste reis para a penitência, e estabeleceste profetas para te sucederem. Tu
que foste arrebatado num tubilhão de fogo, num carro puxado por cavalos
ardentes. Tu que foste escolhido pelos decretos dos tempos para amenizar a
cólera do Senhor, reconciliar os corações dos pais com os filhos, e
restabelecer as tribos de Jacó. Bem-aventurados os que te conheceram, e foram
honrados com a tua amizade”!(Eclo 48,1-11).
Este é Elias e essa é a hernaça que ele deixa. Pois bem. Até mesmo um homem
como Elias chega ao ponto em que não suporta mais e cai deprimido, sob a
perseguição contínua e cheia de ódio da rainha Jezabel.
É nesse contexto que ele foge e diz ao Senhor: “Agora chega, tira a minha vida, Senhor”! e tem como resposta,
“Levanta-te e come”! O mais importante é que, mesmo nessa situação, Elias
reza e se volta ao Senhor. Procura pelo Senhor e não pelo consolo humano.
A sua fé firme o leva a ver a presença de Deus nos eventos dos quais é
espectador e vítima, como também o leva a manter aberto um diálogo, ainda que
seja um diálogo dramático: “Tira a minha
vida, Senhor”! Elias quer a morte! Prefere, antes, morrer pela mão de Deus
do que pelas mãos dos homens. Ou melhor, prefere decidir ele mesmo pela própria
morte, do que permitir que Jezabel tenha a última palavra sobre a sua vida.
Tendo feito esse pedido a Deus, o profeta “cai no sono”, como Jonas no navio
durante a tempestade (Jn 1,5b), como os apóstolos no Getsemane (Mt 26,40). Como
alguém que já não aguenta mais e entra em depressão. Assim Elias larga as
“armas” e se rende, esperando antecipar, com o seu sono, a morte que acaba de
pedir.
Deus, por Sua vez, atento à sua oração, porque foi feita, mesmo naquele
contexto, com muita fé, se aproxima dele. Faz-lhe uma visita através de um anjo.
O Deus da vida o visita não para tirar-lhe a vida, mas para dar-lhe mais vida
ainda. Com a Sua visita lhe dá tudo o que é necessário para caminhar para o
futuro.
Mas não consegue convencê-lo, e ele ainda deseja a morte. Está, de fato,
deprimido e cansado! Não é isso que acontece quando o sofrimento parece não ter
fim? Não é assim que ocorre quando as perseguições e as tribulações nos
oprimem? Na verdade, é isso que acontece quando também somos teimosos e duros
de coração, impedindo que Deus nos convença da Sua verdade!
Mesmo assim, Deus volta ao “ataque” e o desperta do seu sono, para
recolocá-lo em marcha. O que Deus lhe dá é um pão assado e um jarro d’agua para
quarenta dias e quarenta noites de caminhada. Na verdade é pouca coisa diante
de uma viagem tão longa. E no entanto, isso basta, porque juntamente com o pão
e com a água Deus dá as consolações da Sua presença, a força de um novo chamado
que leva Elias direto para o alto do monte Horeb, para as fontes da sua fé. Antes
mesmo de retomar a sua caminhada o profeta Elias percorre um caminho que vai da
revolta e do desânimo à fé.
Olhemos agora para os judeus envolvidos na cena evangélica de hoje (Jo 6,41-51).
Eles também estão descontentes e
perplexos diante de um Deus que não compreendem. Porém, diferente de Elias, trata-se
de gente sem fé! Incrédulos a murmurar: “Não
é este Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como, então,
pode dizer que desceu do Céu”? Isto só porque Jesus tinha tentado dizer: “Eu sou o pão que desceu do céu”! Portanto,
uma coisa bonita e consoladora: “Eu vos
dou um pão diferente. Um pão que não nutre a vida do corpo, mas da alma, e que
vos fará viver para sempre...e este pão sou eu, este pão é a minha carne”.
Um discurso cheio de vida, e de vida eterna que, no entanto, não encontra
acolhimento nas categorias e esquemas humanos, mas que pode ser compreendido apenas
na dimensão da abertura à fé. Como dirá o próprio Jesus pouco depois, diante da
dureza de coração dos seus ouvintes. “É o
Espírito que dá a vida, a carne não leva a nada; as palavras que vos disse são
espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo, 6,63-64).
A incredulidade bloqueia a mão de Deus! A falta de fé é uma força
extraordinária que impede Deus de agir!...”e
ali, Jesus não pode realizar nenhum milagre”.
Ele, o Deus do impossível, pára diante do fechamento do coração e da mente daquelas
pessoas sem fé! Aqui está a grande diferença entre Elias e essa gente. Elias se
torna famoso pelos prodígios, porque crê. Crê que um pão assado e uma jarra
d’água contenha os nutrientes suficientes para sustentar uma viagem de quarenta
dias e quarenta noites, e se põe a caminho. Elias crê que, embora desconsolado
e cansado, ainda terá força e vigor para combater contra os inimigos e
derrotá-los.
E assim, se sob a perseguição e o ódio impetrados por Jezabel provocaram desânimo
e desejo de morrer, é sob a força da Palavra de Deus que Elias se põe a
caminho.
Quanto aos judeus do Evangelho de hoje, eles racionam e as suas contas não
“somam”. Eu explico. Na “conta” deles, pelo fato de Jesus ser o filho do carpinteiro,
não pode ser o Pão da vida; pelo fato de não viver fazendo espetáculos por aí e
porque é o filho da Maria, não pode trazer nenhuma novidade; porque é um homem,
não pode dar a própria carne como alimento e, por conseguinte, nenhum alimento
material jamais poderia dar a vida eterna!
Os judeus “estacionam” aqui. Limitam-se às murmurações, tristes e estéreis
e, justamente por isso, não partem para a “viagem” misteriosa que Jesus propõe.
Trata-se da única viagem capaz de “escancarar” as portas da vida eterna.
Daquela vida que começa agora: o caminho da fé!
Nesse caso, portanto, eles vão, diferente de Elias, da murmuração à
incredulidade e a viagem não se inicia. Aliás, já acaba na linha de partida. Mas
e nós? Onde estamos nesse sentido?
São Paulo, na segunda leitura (Ef 4,30-4,2) pode nos ajudar a fazer um
exame de consciência para compreender o nosso ponto de partida. Estamos
caminhando rumo à amargura, irritação, cólera, gritaria e injúrias? Será essa a
nossa “bagagem”? Ou estamos caminhando na direção da bondade uns para com os
outros, da misericórdia e do perdão? O que o nosso coração abriga? É bom saber reconhecer
os sentimentos e motivações que tem dentro dele. Aliás, é o primeiro passo do
caminho para a viagem que está diante de nós.
Se estamos fartos e desejamos a morte, assim como se sentiu também o grande
Elias, sejamos sinceros quanto a isso; se há dúvidas dentro de nós, encaremos
isso com honestidade; se reconhecemos amarguras e cansaços que nos deprimem em
nosso interior, apresentemos a Deus! Vamos assumir tudo isso, em primeiro lugar. Isso
mesmo! Assim como Elias! É só assim que tudo isso pode desaparecer, não apenas
do meio de nós, mas principalmente, de dentro de nós, para dar lugar ao amor!
Eis aqui a proposta de uma viagem, de uma caminhada bem mais longa e que
exige mais esforço do que aqueles quarenta dias de Elias: ir do ressentimento
ao perdão. Da morte à vida!
Por que reencontrar sentimentos positivos e luminosos quando o coração está
fechado na ira é a mesma coisa que ressuscitar dos mortos. Mas isso só é
possível a Deus, do qual somos chamados a ser “imitadores”.
E é Deus mesmo, então, que na Eucaristia se faz alimento para essa viagem
em direção à vida: “Eu sou o pão da
vida...Eu sou o pão vivo...o pão que eu darei é a minha carne, para a vida do
mundo”, proclama Jesus no Evangelho (Jo 6, 41-51).
O convite é para uma viagem maravilhosa, porque o caminho a ser trilhado,
nos conduz à vida eterna. Uma viagem na qual nos é garantido, gratuitamente, o
necessário para o caminho. Uma viagem para a qual recebemos um convite bem
claro. Trata-se do convite que o próprio Pai nos fez no Batismo, ou melhor
ainda, um convite à viagem que, através do batismo, o Pai nos atraiu.
O que falta ainda, portanto, para partir? Simplesmente a nossa fé, como
abertura de coração e de mente, simples e confiante de que um pedacinho de pão e
um pouquinho de vinho é tudo o que precisamos e, por isso mesmo, podemos partir
tranquilos.
Deixemo-nos, então, acordar do sono em que estamos refugiados, “não contristemos o Espírito Santo de Deus”,
mas caminhemos na caridade, rumo à vida verdadeira, alimentados com o Pão
do Céu! ”!(Frei Alfredo Francisco de Souza,
SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br
– Website: www.inacianos.org.br).
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