Muitas vezes
temos uma idéia sombria e triste da Quaresma. Na verdade, deveríamos nos ater à
finalidade desses quarenta dias e nos preparar para a alegria da Páscoa, a
festa da vida, através da qual Jesus, com Sua Paixão e Ressurreição, anuncia a
Boa Notícia da vitória sobre a morte.
Vista dessa
maneira, a Quaresma como preparação para essa celebração não poderia jamais ser
motivo de tristeza! É preciso lembrar
que viver, de fato, significa, antes de tudo, lembrar-se do essencial que nos
dá a vida.
A Quaresma nos
oferece justamente essa oportunidade para que não nos acomodemos no desânimo.
Mesmo que nos leve a descobrir nossas fraquezas e a difícil caminhada rumo à
conversão. Pelo contrário, ela nos motiva a colocar-nos em movimento, em “travessia”,
sempre.
Trata-se de
compreender que esse movimento tem o objetivo de nos fazer sair de tudo aquilo
que nos prende e imobiliza e de tudo o que nos torna escravos.
Na primeira
leitura (Dt 26,4-10), a experiência
de fé do povo de Israel no Antigo testamento é marcada por duas experiências
extraordinárias.
A primeira
experiência traz à sua memória o fato de que “O Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa e braço estendido, no meio
de grande pavor, com sinais e prodígios”.
A segunda
experiência lembra como o Senhor fez isso, levando-os a reconhecer: “Conduziu-nos a este lugar e nos deu esta
terra, onde corre leite e mel”.
Trazer à memória e lembrar-nos dessa vida hoje
então, neste tempo significa, primeiramente, fazer um movimento para fora, isto
é, um sair de tudo aquilo que nos mantém escravos. Significa retornar ao
essencial para redescobrir a beleza e a verdade da nossa própria vida.
Este tempo,
portanto, é o momento propício para que nos perguntemos o que, de fato, é
essencial, o que dever ter mais importância e relevância, como também o que é
secundário em nossa vida. Isso nos levará a redescobrir o que e/ou quem buscar
e adorar e a quem, a que não prestar culto nesta vida!
Os quarenta anos no deserto, a saída da
escravidão das mãos do Faraó, certamente permaneceram no coração dos judeus. O
deserto era um caminho, uma jornada capaz de levá-los à exaustão, mas
igualmente intenso quanto à liberdade para a qual os conduzia.
Os judeus sabiam
disso, mas nós também sabemos que com o passar dos anos podemos passar de caminheiros,
aventureiros e estrangeiros, a pessoas sedentárias, acomodadas.
Corremos o risco
de ceder aos condicionamentos e circunstâncias, de ser seduzidos pelas coisas, pelo
sucesso e pelo poder, ao ponto de nos tornarmos escravos de novos
“faraós”.
Com isso, fica
claro que o primeiro passo no caminho do deserto quaresmal proposto pelo
Evangelho deste primeiro domingo da quaresma é, sem dúvida, assumir a caminhada
conscientes de que também somos expostos às tentações.
Lucas (4,1-13) narra as tentações de Jesus
que, no início da sua vida pública, isto é, da Sua missão, é colocado à prova
no deserto, tendo sido para lá conduzido pelo Espírito.
A tentação, em
si, não é algo que tem, necessariamente, a ver com o pecado. Toda a nossa vida
é marcada por provas e tentações. São situações em que temos que agir nas
tensões e que exigem de nós uma força e energia que, na maioria das vezes,
parecem exceder as nossas forças.
Contudo, são situações
necessárias ao nosso crescimento, nas quais, através da liberdade, podemos pôr
na balança o valor das escolhas que fazemos e das relações que vivemos. Aliás,
é no esforço e na luta mesmo que é possível experimentar o valor de um amor, de
uma amizade, da palavra dada.
Portanto, uma
tentação pode se tornar oportunidade para trazer verdade à nossa vida, ensinando-nos
a compreender o que, de fato, é importante e tem valor. Mas pode também ser
apenas o momento e a situação na qual a nossa liberdade será enganada. Se assim
for, não passará de ocasião para fazer escolhas erradas.
Mas, qual é a tentação
de Jesus no deserto e que acompanha toda a sua missão? Não é demais fazer uma
ligação entre o texto das tentações e o Batismo que Jesus, no Rio Jordão, que
celebramos há pouco tempo.
No Batismo Jesus
é proclamado Filho de Deus: “Este é o meu
filho amado, escutai-O”! Jesus recebe do Pai a grandeza e o fim da Sua
missão: é Filho de Deus!
Porém, o Pai não
lhe diz como deverá realizá-la, porque este dom precisa ser realizado na Sua
liberdade. Deve passar pela prova da liberdade. Portanto, a prova pela qual Jesus
passa é ter que decidir como realizar a Sua missão de Filho de Deus!
Muitas vezes
pensamos que Jesus, pelo fato de ser Deus, não teve que esforçar-se para ser
fiel ao projeto do Pai que O levou a morrer pregado numa cruz. Mas, não é
verdade! Jesus é verdadeiro Deus é verdadeiro
homem. Por isso dizemos na liturgia eucarística “Estando para ser entregue e abraçando livremente a paixão...”.
Jesus, então, vai
ao deserto para “aprender” a ser Filho; deve aprender, como homem, a confiar e
a dizer sim ao projeto do Pai!
Nós também
recebemos um grande dom de Deus que é a vida, a nossa vocação. No batismo nos
tornamos filhos de Deus, mas tudo isso precisa se realizar através da nossa
liberdade, do nosso sim à vontade do Pai, da confiança absoluta no Pai!
Podemos dizer
que a prova, a tentação maior a que a nossa vida de fé é exposta, isto é, a tensão
que nos acompanhará pelo resto de nossas vidas, assim como aconteceu com Jesus,
será crer, confiar e decidir-se continuamente por Ele, porque acreditamos que é
justamente isso que constitui a nossa humanidade e a nossa vocação!
Meditando o
Evangelho das tentações podemos captar mais profundamente alguns detalhes. Primeiramente, a maneira como o diabo se
apresenta. O texto deixa claro que ele não se apresenta como um monstro feio
com chifres e com um tridente na mão. Não! O diabo nunca se apresenta como
adversário, mas, como um colaborador.
Foi assim que se
apresentou a Jesus. Isto é, chega como um conselheiro, um fiel colaborador,
alguém confiável e que quer ajudar.
Como é que
começa mesmo a primeira tentação? “Se és
o Filho de Deus...”. O diabo não duvida da filiação divina de Jesus. Pelo contrário.
É como se dissesse a Jesus “já que tu és
o Filho de Deus, demonstra as tuas habilidades, mostra do que és capaz, escolhe
o teu próprio projeto...”. É como se dissesse a cada um de nós, “você deseja realizar-se como homem... como
mulher? Eu te dou uma mão... você está programando abraçar a vida matrimonial,
a vida consagrada, sacerdotal? eu posso te dar uma mão, posso ajudar a fazer um
projeto melhor...”. Os objetivos, aparentemente, são sempre nobres, mas é
um jogo que se joga com os “seus meios”, nada nobres.
É na elaboração
das imagens, dos ideais e dos projetos das nossas vidas que o diabo gosta de
interferir com propostas coloridas que nos desviam do projeto, do desenho e do
estilo de Deus.
Aliás, um dos
maiores perigos de hoje com relação à nossa vida e à nossa vocação, é o perigo
de pintá-los com tons apenas humanos, mundanos, com base na exclusiva
satisfação das nossas necessidades de consumo,
de posse e de reconhecimento. As três tentações às quais Jesus foi exposto no
texto de hoje.
A grande
artimanha do diabo é, então, exatamente fazer-nos acreditar que toda a nossa
vida se resume a um pouco de pão (consumo), ao poder (posse) e ao prestígio
(reconhecimento), fazendo-nos esquecer da nossa fome do Alto, do Céu, da
necessidade que o ser humano tem do infinito de Deus, e de que o que nos
realiza é a verdade e a beleza!
Jesus no deserto
vence as tentações por cada um de nós também, indicando-nos o caminho para que
também as nossas provações e tentações se transformem em ocasiões e oportunidades,
mesmo que duras e dolorosas, para fazer com que a vida e a vocação de cada um
de nós seja de acordo com a Sua Palavra e a Sua vontade.
Que neste tempo o
Senhor nos conceda a graça de “sair” das nossas tentações e provações com a
força libertadora da Sua Palavra. Que esta Quaresma seja uma excelente e
oportuna ocasião para uma nova, rica e feliz caminhada. Afinal, não só de pão,
de poder e de fama vive o homem! (Frei
Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano –www.inacianos.org.br).
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