(Liturgia do Quinto Domingo do Tempo Comum)
Como a um compromisso ao qual não
se pode faltar, hoje nos encontramos nas margens de um lago. Lembro que já
estivemos nas margens do Rio Jordão, para sermos imersos com Jesus no batismo,
para experimentar o que significa ser envolvidos pela água da Sua Graça.
Mas neste domingo, a “água”-
graça se expande, dando aos olhos e ao coração um dos mais belos sentimentos que
é contemplar um lago.
O lago, de fato, por maior que
seja se assemelha a nós. Quero dizer, é limitado como nós. Não é como o mar, um
oceano cujos limites são desconhecidos, provocando sempre em nós certo temor
diante do infinito. É um lago, sinalizando o nosso limite.
Contudo, aquele lago de Genesaré
torna-se um ponto de partida para todos. Até mesmo Jesus, deixando a montanha,
lugar de encontro com Deus, desce ao nível do lago, isto é, ao nível da nossa
humanidade limitada.
Desce hoje, neste Quinto Domingo
do Tempo Comum, rodeado por uma grande multidão para encontrar-se conosco.
Aquele lago era tudo para os
pescadores. Significava o tempo, que era na maioria das vezes nele vivido, dele
vinha o seu cansaço, mas também a sua alegria, suas esperanças, e também, não
raro, redes vazias, oração, silêncio... diante do que ‘negava” aos pescadores.
A barca de Simão, juntamente com
a de Zebedeu, já é em si, a imagem de nossas vidas, que se desequilibram entre
as águas, nem sempre tranqüilas, deste mundo.
É nessa nossa “normalidade”
cotidiana que Jesus chega. É preciso pressupor que os primeiros discípulos já
eram conhecidos por Jesus e que, na verdade, o chamado que fez a cada um deles
não foi de improviso. Dois deles, André e João, já eram discípulos do Batista,
como nos refere o quarto Evangelho. Depois, como também nos conta São Lucas no
capítulo 4, eles O tinham escutado na sinagoga, no sábado, O tinham visto
operar milagres. Simão O tinha acolhido na sua própria casa, dando-Lhe
hospitalidade como se fosse da própria família.
Na normalidade daquele lugar, onde
tudo era muito comum, Jesus já havia alterado os hábitos dos primeiros
discípulos. Mas ninguém poderia, ainda que por um momento, distraí-los ou
tirá-los da sua vida real, isto é, da pesca que era o seu meio de vida. Ali, se
não houvesse o que pescar, não seria possível sobreviver.
Na barca da nossa vida, Jesus sai
para anunciar a Palavra. A barca de Simão, e também a nossa vida torna-se,
portanto, um “púlpito” todo particular, no qual a Palavra de Deus ressoa forte
porque está encarnada em Jesus de Nazaré, que está ali em pessoa.
A Palavra “sacode” o nosso
cotidiano ainda hoje, fazendo com que “barcas” e “redes vazias”, fiquem plenas
da Sua Graça.
Nós também temos experiência de noites
infrutíferas, noites “em que nada pescamos”. Pode também acontecer conosco de
termos que "recolher os restos" dos nossos dias cheios de
compromissos, porém, vazios no seu mais profundo interior. Pode acontecer
também conosco ter que “lavar as nossas redes”, sinal dos nossos esforços e das
nossas lutas, muitas vezes, em vão, pensando: “hoje o lago não está pra peixe”,
e concluir então que é inútil voltar a pescar! A vida do ser humano sempre foi
e é assim, como o lago. Se a água e o tempo são generosos, é possível trabalhar
bem, mas se o lago se mostra “avarento”, se há uma crise, surgem, então, os
dias difíceis.
Jesus parece não compreender esse
cansaço dos discípulos, assim como também os nossos desânimos diante das
frustrações nas lutas e “pescarias” da nossa vida. Ele, carpinteiro de
profissão, nos pede para ir adiante, para lançar as redes para águas mais
profundas!
Neste domingo, novamente, iniciando
mais uma semana, somos convidados a colocar-nos em movimento, mesmo se já
estávamos prontos a largar “as redes”, a abandonar a luta, a voltar pra casa de
mãos vazias.
Simão parece aceitar o desafio,
mas assim como nós, talvez tivesse pensado: “Só tu, Jesus, pareces não compreender
o nosso cansaço. Parece, no mínimo, estranho que Ele, que não lida com pesca,
com redes e com peixes, porque entende mais de carpintaria, nos peça para ir
para águas mais profundas e lançar as redes...
Se dermos atenção à Sua Palavra,
eis o mérito de Pedro, bastará uma palavra, depois Ele fará o resto, isto é,
aquilo que não depende de nós! Contudo, o que depende de nós, cabe à nós
realizar! O resultado é a quantidade enorme de peixes, as redes quase rompidas,
a ajuda dos companheiros! A nossa vida, que experimenta tantas vezes o vazio, estará,
então, repleta d’Ele.
No Evangelho de hoje (Lc 5,1-11) Lucas, diferente dos outros
sinóticos, coloca a sua atenção na pessoa de Pedro. É ele o protagonista que, diante
do milagre, se sente indigno de estar próximo de Jesus. De fato, a presença de
Jesus foi como uma luz que permitiu a Pedro confessar, com humildade, a sua
condição de criatura humana, pecadora, de pessoa necessitada de salvação,
limitada, como o lago.
Como escreve Santa Terezinha:
“Talvez, se tivesse apanhado algum peixinho Jesus não tivesse feito o milagre;
mas não havia nada, assim, Jesus encheu rapidamente a sua rede, de modo que ela
quase rompeu.
Eis, portanto, o estilo de Jesus.
É capaz de dar a abundância de Deus, mas espera um coração humilde, disposto a
atender e obedecer a Sua Palavra!”Com isso, concluímos que Pedro está na rede
de Cristo. Isto é, a verdadeira pesca foi realizada por Jesus.
A nós resta confiar abandonando tudo para
abandonar-nos no Tudo! Neste ponto Jesus dá a promessa: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu
serás pescador de homens!” Eis aqui uma palavra plena do sentido do
que Ele mesmo acabava de realizar!
O sentido mais próximo da frase
no texto original grego, quanto à promessa de Jesus a Pedro é: “de hoje em
diante irás "pescar" homens para que se mantenham vivos.
Na verdade, a expressão aqui quer
ser sinal de uma confiança de Jesus em Pedro, paradoxalmente maior do que a
confiança que Pedro havia tido em Jesus, momentos antes.
Simão, e nós juntamente com ele,
não está à altura deste chamado, provavelmente nem compreende o que significa,
mas confia na Palavra. Sabe obedecer, ainda que entenda mais de pesca do que o
Mestre, ainda que tivesse todos os argumentos para não obedecê-Lo e voltar para
casa sem ter lançado, mais uma vez, as redes. Com os outros, está pronto a
deixar tudo para seguí-Lo.
O “tudo” de Pedro não é nada
diante do “Tudo” de Cristo. Pedro, como muitos outros antes dele, até mesmo
Maria, acolhe o “não temas” e está
pronto para ir, para caminhar, confiante.
Ainda não sabe o que lhe espera! Não sabe que vai haver uma outra noite
mal sucedida e infrutuosa onde vai se encontrar de mãos vazias, enquanto Jesus,
renovará o Seu amor e o Seu perdão, apenas com um olhar.
Não sabe que essa disponibilidade
irá levá-lo a avançar para um caminho até conduzir a barca da Igreja em Roma,
dando a vida no martírio.
Um dia, chamado a partilhar o
destino de Jesus com o mesmo suplício da cruz, compreenderá completamente que
avançar para águas mais profundas significa “mergulhar” no Amor de Cristo.
Significa, como Igreja, lançar a rede aos homens à mercê do mundo, entre as
ondas desorientadas deste nosso tempo e dar esperança aos caídos, acolhimento
ao pecador, resgatando a dignidade de quem é marginalizado e excluído,
conduzindo-o de novo à única água capaz de dar a vida.
Quanto
a nós, significa compreender e assumir hoje a necessidade de testemunhar Cristo
morto e ressuscitado, como os apóstolos, como Paulo na segunda leitura (1Cor
15,3-8.11), como Inácio de Antioquia em nossa vida de cada dia, mesmo em meio a
lagos “mesquinhos” dispostos a nada oferecer, em meio às redes vazias. Sempre
suplicando, como a Igreja sugere a todos, através de Isaías, na primeira
leitura (Is 6,1-8): “Eis-me aqui, Senhor, envia-me”!
(Frei Alfredo Francisco de Souza,
SIA, Missionário Inaciano – www.facebook.com/www.inacianos.org.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário