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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sábado, 3 de outubro de 2015

"O QUE DEUS (O AMOR) UNIU, O HOMEM NÃO SEPARE"

(Liturgia do Vigésimo Sétimo Domingo do Tempo Comum)

           "Não é bom que o homem esteja só". O "clamor" da solidão que brota do nosso coração sedento de companhia é acolhido e sentido também por Deus. Mais ainda, é como se estivesse escrito no mais íntimo de cada ser humano. "Não é bom". De fato, não parece ser do gosto de Deus a solidão do coração! 
            É por isso que Deus povoa o espaço ao redor do homem de criaturas, animais selvagens e pássaros do céu e feras selvagens. Depois, Deus os apresenta ao homem e pede para que nomeie a cada um dos animais, pede para domesticá-los. "Mas, o homem não encontrou uma companhia semelhante, que correspondesse a ele", lemos na primeira leitura (Gn 2,18-24). Não é de se admirar, afinal, esses eram seres "inferiores" com os quais não é possível um diálogo, tampouco a partilha de intenções e projetos. É claro que toda criatura é boa e bela em si, e louva a Deus com a sua vida, mas isso não significa que consiga saciar a sede de companhia que habita o coração humano.
            "Então, o Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre Adão". É preciso compreender que o caminho para encontrar "um semelhante que lhe correspondesse" não existe sem o sofrimento, sem "um preço" ao próprio homem, isto é, ao ponto de  "ferir" a sua própria carne.
            O homem adormece, depois desperta com alguma coisa a menos em si. Algo lhe foi tirado. Mas é daquilo que foi retirado, do humano que foi privado é que nasce, finalmente, a criatura que pode corresponder a ele, estar à sua altura. Isso o torna feliz ao ponto de fazer irromper de seus lábios um canto de louvor, mesmo que breve, mas intensa antecipação dos Cânticos dos Cânticos: "Desta vez é osso dos meus ossos, carne da minha carne...desta vez é como eu, "é outro eu"!
            O primeiro ensinamento que podemos tirar das leituras de hoje é que, não há relacionamento verdadeiro de comunhão sem que se tenha que doar algo de si, ou sem que algo de meu seja colocado de lado para abrir espaço de disponibilidade e de vida ao outro.
            A carta aos Hebreus (2,9-11) na segunda leitura nos lembra bem que o sofrimento pode ser
caminho que conduz à perfeição. Trata-se de um caminho tão seguro que o próprio Jesus o percorreu por nós e conosco, tornando-se assim, nosso irmão. A verdade é que uma união entre as pessoas que não teme o sofrimento, no próprio sofrimento se consolida ainda mais e se torna comunhão perfeita entre elas.
            A pergunta que os fariseus fazem a Jesus no Evangelho deste Vigésimo Sétimo Domingo do Tempo Comum (Mc 10,2-16) é uma pergunta maldosa e tendenciosa. O evangelista nos informa que os fariseus vieram "para pô-lo à prova".
            Jesus, como sempre, está firme na Sua verdade, a verdade que é Ele mesmo, e que Ele não pode renegar. A lei diz que é lícito a um homem repudiar a própria mulher, mas para Jesus, este é o momento de dar pleno cumprimento à lei de Moisés, porque para isso é que Ele veio: "não para abolir, mas para levar a lei à plenitude" (Mt 15,17).
            "A plenitude da lei é o amor' (Rm 13,10). "Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe". Isto é, que ninguém separe o que o Amor uniu. O amor não é um sentimento vago e abstrato, mas uma "lei de vida" que, como toda lei, tem conseqüências concretas que a tornam verdadeira e, verdadeira, porque pode ser verificável.
            Entre essas leis, certamente a mais fundamental é aquela que Jesus nos ensinou com a Sua própria vida: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos" (Jo 15,13).
            Dizíamos antes que o sofrimento é que torna o amor perfeito. Se amar é dar a vida, vida que não se doa sem perdê-la, e perder a vida provoca dor. A verdadeira união se torna sólida e estável quando é provada no sofrimento, pacientemente acolhido e carregado, quando permitimos que a cada dia algo de nós mesmos nos seja retirado (como a costela) para que o outro tenha a vida. Aí está a garantia de que o relacionamento seja duradouro...eterno.
            Contudo, se o sofrimento é sempre provocado por uma das partes e sofrida pela outra, tudo se torna difícil, talvez não impossível, mas  terrivelmente difícil, provavelmente sem futuro.
            Confrontando a Palavra de Deus neste domingo com o nosso tempo e aos nossos dias, dias, aliás, de diversas e graves crises, sobretudo no matrimônio, percebemos que, em muitos casos, o fracasso dos relacionamentos nasce da incapacidade reconhecer o limite do outro, de acolher as surpresas que o outro reserva, inclusive nos detalhes do que compartilha na relação.
            Há ainda outros motivos para o fracasso dos relacionamentos, como por exemplo, de um lado, a incapacidade em um aceitar que o outro a partir "da minha costela", e do outro lado, de não aceitar ter que "depender" ter a vida, a partir da "costela" que o outro me dá.
            Metáforas à parte, a verdade é que essa incapacidade se resume em não conseguir construir "espaço" dentro da minha vida para a vida do outro, para que, verdadeiramente, das duas "carnes" nasça uma única carne. Uma "carne" nova, inédita, original e surpreendente na sua beleza.
            É verdade, bem sabemos, que às vezes isto é impossível e, então, a cura maternal da Igreja intervém e desfaz, ou declara não existente, um vínculo que, por razões próprias, não poderia sustentar-se para existir. Muitas vezes, desfazer o vínculo é muito difícil, mas ainda aí a Igreja deve intervir com o remédio da oração, da graça dos sacramentos, do conselho, do acolhimento e da atenção da comunidade.
            Não é por acaso que o Evangelho termina chamando a nossa atenção para as crianças que, parecem, mas apenas parecem, estar no lugar e na hora errados. Elas representam o fruto da carne nascido do amor. São geradas pelo amor da união em "uma só carne".
            As crianças, com a sua pureza e inocência é que podem nos ensinar a abrandar a "dureza" dos nossos corações. Quanto tudo nos relacionamentos parece desmoronar, aí estão as crianças, sinal incontestável do amor.

            Jesus as apresenta como a porta segura de entrada no Reino, da paz do Paraíso já nesta terra. Talvez, falte-nos parar um pouco para escutar e observar as crianças, contemplar as suas brincadeiras, acolhendo o seu choro e refletindo sobre as perguntas que nos fazem. Essa atitude poderia ser para nós uma ótima escola de simplicidade para enfrentar as lutas e dificuldades da vida, as lutas do um casal para viver o matrimônio, e não fugir nas primeiras quedas, sabendo que, quando o ser humano insiste em dividir o que Deus uniu, inclusive os frutos da união de duas carnes, que se tornam, então, uma única carne, inevitavelmente, o resultado será a sua própria "carne" destruída. Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA. 

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