(Liturgia do
Segundo Domingo da Quaresma)
A maior dificuldade que a Igreja
encontra para anunciar o perdão e a misericórdia de Deus entre o nosso povo,
está no fato de que muitos não crêem que alguém, jamais, os possa perdoar pelo
que fizeram. Portanto, o que é mais
difícil, de fato, não é tanto o perdoar, mas crer em um Deus que respondeu ao
mal do mundo com o sacrifício do Seu Filho, o Seu Único e Amado Filho, por amor
à nós.
Na
morte do Filho na cruz se cumpre, realmente, o "voltar-se Deus contra Si
mesmo", no qual o Filho se doa para 'reerguer" o homem decaído e
salvá-lo. Tudo isso, única e exclusivamente por amor. Diante de um Deus assim, escandalosamente do nosso lado,
"quem será contra nós"?
Pergunta Paulo na segunda leitura deste Segundo Domingo da Quaresma (Rm 8,31b-34).
Escutando
a primeira leitura (Gn
22,1-2.9-13.15-18), não é difícil para
nós, imaginar quais os pensamentos e sentimentos apertavam o coração de Abraão,
enquanto preparava "a faca para
imolar o seu filho".
Que
pai, em sã consciência, sacrificaria a vida do seu único filho, ainda que fosse
para obedecer a Deus? Encontramos a resposta a esta pergunta no silêncio de um
Deus que parece ter sido "engolido" pela escuridão da Sexta-feira
Santa, na qual ressoa com força apenas a súplica do Seu Filho: "por que me abandonaste?"
É contemplando o corpo de Jesus
pregado, torturado, dilacerado e morto, e o Seu lado direito rasgado pela lança na
cruz, que temos certeza de não estarmos equivocados sobre Deus. Porque estar
enganados sobre Deus é o pior que pode nos acontecer. É o mesmo que estar
errados sobre a história, sobre o mundo, sobre a humanidade e sobre nós mesmos,
como também sobre o futuro e sobre as relações humanas.
O
episódio do sacrifício de Isaac não é a história de um sacrifício que não deu
certo. Pelo contrário, trata-se da história de um sacrifício realizado: o
sacrifício do sacrifício, pois, segurando a mão de Abraão e, impedindo-o de
concretizar o sacrifício do filho, Deus, na verdade, quer segurar a mão de
todos os violentos e dos que se prevalecem e querem explorar os mais fracos e
indefesos, como ouvimos na primeira leitura (Gn 22,1-2.9-13.15-18).
No Evangelho de hoje (Mc
9,2-10), na Transfiguração de Jesus sobre o Monte Tabor, Aquele que, da núvem,
indica Jesus como o Filho amado a quem devemos escutar, não pode ser um Deus
que quer os sacrifícios de morte e de dor. Não! É um Deus que quer o amor. O
mesmo Deus que, no Seu Filho Unigênito, se revelará como Aquele que sacrifica a
Si mesmo, justamente por não haver aceito o sacrifício de ninguém mais.
A
Transfiguração nos leva não somente ao ponto mais alto do Monte Tabor, mas ao
ápice da história
da salvação, como história do amor generoso e gratuito de Deus pela humanidade.
A oferta que Jesus fará de Si na cruz é o sinal de Deus para testemunhar à
humanidade a grandeza do Seu amor. Aliás, um amor que não reivindica nada em
troca, mas pede humildemente, como um mendigo.
Como qualquer apaixonado,
Deus concorda em fazer-Se “frágil” e depender sim, da humanidade que, somente na
liberdade, poderá amá-Lo.
Este é o
mistério de um Deus “frágil” _ porque apaixonado _ que os discípulos não
conseguiram compreender, quando viram Jesus na cruz e ficaram escandalizados.
A transfiguração
antecipa, assim, a Paixão num contexto de glória e de luz. As imagens clássicas
da presença de Deus se explicam, porque os nossos olhos debilitados de
discípulos, talvez não reconhecessem Deus no rosto desfigurado e torturado de
Jesus. É difícil reconhecer Deus morrendo por nós, banhado pelo sangue que
escorre pelo corpo de Jesus na cruz.
Assim, a
transfiguração lança uma luz sobre a paixão. Não, porém, a luz consoladora de
quem quer esconder a humilhação e o escândalo atrás da glória, mas a luz que
possibilita enxergar em profundidade a grandeza de tudo o que está para
acontecer no Calvário e no sepulcro vazio, três dias depois.
No Monte das Oliveiras e no Monte
Calvário, os mesmos discípulos, desta vez, não verão nenhuma luz, nem brilho e
muito menos beleza, glória ou esplendor para deixá-los extasiados, como no
Monte Tabor. Pelo contrário, perceberão apenas as sombras que indicarão a
situação oposta e que tomará também o coração de cada um deles e os levará a
pensar não em construir três tendas para permanecer ao Seu lado, mas a pensar em “como é possível que este homem, tomado
pela angústia e suando sangue, não mais “trans-figurado”, mas “des-figurado”,
seja o Filho de Deus”?
Pedro e os outros O abandonam. Há
pouco tempo, quando Jesus mostrou-lhes a Sua glória, trans-figurando-Se, tinham
presenciado o testemunho dos patriarcas e dos profetas a Seu respeito. A
presença de Moisés e de Elias pedia: creiam n’Ele! Mas ali tinha sido tão fácil
crer n’Ele, que toda aquela manifestação divina parecia supérflua. Na verdade,
elas se destinavam a outro momento. Serviriam para a experiência em outro
monte, o das Oliveiras, durante a Sua “desfiguração”. Destinavam-se ao momento
da provação.
É por isso que o
Monte Tabor nos convida a olhar para outros montes como o Monte das Oliveiras e
o Monte Calvário. Na luz da transfiguração o Calvário aparece em toda a sua
clareza como aquilo que, de fato, é. Ou seja, a morte de Deus por nós.
As perguntas que Paulo nos faz na
segunda leitura (Rm 8,31b-34) nos ajudarão a compreender ainda mais a realidade do
amor de Deus para conosco, ao ponto de se colocar inteiramente ao nosso lado,
para nos defender e salvar: "Se Deus é por
nós, quem será contra nós?Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho
poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas
as coisas?Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus
quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou
antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e
também intercede por nós".
Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.