OS VINATEIROS HOMICIDAS
(Liturgia do Vigésimo Sétimo
Domingo do Tempo Comum)
Esta declaração de amor, sugere ao nosso coração, o rosto
de um Deus irremediavelmente apaixonado pela Sua criatura. Um Deus que canta o
Seu amor pelo Seu povo. Sim,
porque o amor é canto, ritmado pelo Espírito sobre as cordas do nosso próprio
espírito. É paixão obstinada de Deus pelo seu amado, isto é, por cada um de
nós.
Na
parábola proposta no Evangelho de hoje (Mt
21,23-43), Jesus retoma a imagem da vinha, presente no poema do Profeta
Isaías, e a relê à luz da história da salvação. É a história de Deus e do Seu
povo, numa relação de fidelidade e de recusa.
A
vinha é o povo de Israel, o patrão é Deus, os agricultores são os chefes do
povo, os servos são os profetas e o filho é o próprio Jesus.
No
centro de tudo está o sonho de Deus, isto é, a Sua paixão, o Seu amor obstinado
pela humanidade. Amor que se traduz no cuidado para com a vinha, circundando-a
cuidadosamente com uma cerca, fazendo um lagar e construindo uma torre para
vigiá-la e cuidar dela como um sentinela.
O
patrão da vinha faz todo o possível, não deixa nada ao acaso, ensinando-nos que
o amor não se improvisa, mas é fruto de pequenos e constantes cuidados que fazem
o ser amado perecer especial, desejado, simplesmente amado.
Mas
num certo momento somos "deslocados" pelo agir deste patrão que,
depois de muito cuidado e muitos sacrifícios, confia a sua vinha a outros vinhateiros
e parte para uma viagem. Quem de nós teria feito isso? Quem jamais haveria
agido dessa forma?
A
atitude do patrão, quer nos ensinar que o tempo da 'ausência' do patrão é o
tempo da responsabilidade, da nossa resposta a Deus, ao Seu ato de carinho para
conosco, para que o nosso agir seja ao estilo do nosso Deus, isto é, cuidar do
outro, sem possuí-lo. Porque o amor, quando é verdadeiro, gera horizontes de
liberdade, espaços ilimitados nos quais é possível encontrar-se ou perder-se.
No
tempo oportuno, o patrão, depois de tanto cuidado e tanto trabalho, envia um servo
à vinha para recolher os seus frutos. Porém, a tentativa logo falha. Os vinhateiros
espancam o pobre servo que retorna
para casa agredido e de mãos vazias.
As
repetidas e obstinadas tentativas do patrão, que envia outros servos, obtém um
resultado cada vez pior. Estes são espancados, rejeitados e até assassinados.
A
parábola deixa muito claro o fortíssimo contraste entre a ternura apaixonada do
patrão, que planta e toma cuidado da vinha, e a fúria homicida dos agricultores,
que fingem-se de servos, mas não são. Estamos
diante da história de Deus e do Seu povo. História de sonho de Deus, do Seu
inigualável amor que não se desfaz nem mesmo diante das desilusões, da traição,
da recusa por parte do povo e dos chefes religiosos, que continua a enviar os
Seus profetas.
Mas
eis a segunda e mais dramática, reviravolta da cena. O patrão não extermina os
vinhateiros rebeldes. Pelo contrário, envia-lhes o Seu próprio filho amado, o
qual não se subtrai da mesma sorte dos outros servos enviados anteriormente.
Ao
fazer isso, o filho, enquanto unido na morte de todos as desconfortáveis
testemunhas da verdade, tanto do passado e como futuro, revela com sua morte,
os traços do inesperado e de novidades inéditas. Jesus sobre a cruz não põe fim às contradições e às distorções
da história, mas coloca-Se dentro e até o mais profundo dela. E ali, pregado no
lenho da cruz, ilumina a história do mundo e dos homens, ao mesmo tempo em que
se faz solidário com os mesmos, excluído com os excluídos, alcançando e
abraçando a todos. Eis a "vingança" de Deus. Enviar o Seu Filho
amado, o Seu único Filho, amar o homem obstinadamente, até à
"loucura".
Jesus
na cruz, não cede à chantagem mesquinha de seus carrascos que gostariam de uma
demonstração de força e poder da parte dele. Ele não desce da cruz, permanece
ali. Não desce da Cruz, mesmo podendo fazê-lo. Permanece ali pregado, nu,
indefeso e do lenho infame, revela ao mundo o verdadeiro e extremo poder da
fraqueza, o poder "incômodo" e
a força do amor que desarma.
Certamente,
Deus poderia nos falar e nos dar o Seu amor de muitas outras maneiras. Contudo,
não queria deixar espaço para interpretações erradas e mal-entendidos, pois uma
coisa é usar palavras doces e reconfortantes. Outra, bem diferente, é
pendurá-las com três pregos, suspensas entre o céu e a terra.
E
na Cruz, daquele corpo irreconhecível, resultado da barbárie humana, arado de
flagelos, coberto pelas nossas culpas e pela tortura, jorra o vinho novo, vinho da misericórdia que
brota do lado traspassado de Cristo. Sangue derramado por nós e por todos,
mesmo diante das decepções de um Deus que não desiste de amar. Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA - Missionário Inaciano - promocaovocacional@inacianos.org.br - www.inacianos.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário