(Liturgia
do Terceiro Domingo da Páscoa)
Neste Terceiro Domingo da Páscoa
da Ressurreição do Senhor, creio que a primeira consideração a fazer, a partir
das leituras sugeridas pela liturgia, diz respeito à dificuldade que temos para
crer! No domingo passado foi Tomé quem nos ajudou a compreender essa realidade.
Contudo, mesmo diante da nossa
dificuldade, Jesus se manifesta! Sempre de novo! Aliás, a manifestação de Jesus
no Evangelho de hoje é realizada pela terceira vez e, certamente, não é a
última. Antes, havia se manifestado às mulheres, depois, por duas vezes,
manifestou-se no cenáculo.
Nessa fase pós-pascal, os
discípulos precisavam ser confirmados na fé. Hoje podemos perceber que Deus nunca
rejeita um pedido a partir de uma dificuldade de crer, se tal dificuldade
estiver unida ou for oriunda de um desejo sincero, e não de um desafio soberbo
à Sua divindade!
A manifestação deste Terceiro
Domingo se dá no lago de Tiberíades. Depois ainda se manifestará aos dois
discípulos de Emaús. A certeza transmitida por esses eventos é esta: o Senhor
ressuscitou! Quer dizer que está vivo e, ressuscitado, ainda hoje se manifesta,
e se manifestará sempre de novo diante de qualquer desejo sincero que brota do
coração de quem quer crer n’Ele.
Jesus, na verdade, não brinca de
“esconde esconde” conosco, como quem, ora aparece, ora desaparece. Por que um
Deus que, desde o início dos tempos quer relacionar-se conosco, deveria se
esconder? Um Deus que, na plenitude dos tempos, se manifestou concretamente em
nossa carne humana? Por que deveria se esconder um Deus que nos salvou e
manifestou o Seu amor assumindo no Seu corpo humano todo o sofrimento que o corpo
humano pode suportar, mostrando-se com os sinais da Paixão no Seu verdadeiro
corpo ressuscitado no dia da Páscoa? Agora que Jesus ressuscitou, por que Deus
deveria negar deixar-se ver aos que procuram imitar na vida as suas atitudes e
aos que desejam seguí-Lo?
Nós existimos mediante um corpo e
o nosso corpo é feito para interagir com a realidade através dos nossos
sentidos. É por isso que o ser humano tem um desejo profundo de ver, sentir,
tocar.
De fato, acabamos de constatar
essa realidade na Palavra proclamada no domingo passado, através da frustração
e da pretensão que Tomé tinha: “se eu não
vir... se eu não tocar...”.
De vez em quando constatamos a mesma
necessidade de Tomé em nossa própria vida. A mesma tentação dos que
compareceram na sexta feira da Paixão no Calvário, parece também, de vez em
quando, atingir o centro da nossa fé: “Desce
da Cruz e acreditaremos em ti”. Mas, uma vez que o Cordeiro foi imolado, nós
não vemos Deus daquela mesma forma!
O que queremos e buscamos, na
verdade, é ver um Deus que afirma a Sua presença e o Seu poder através de
“efeitos especiais”. É uma lógica que quase chega a seguir as exigências da
alta tecnologia do cinema nas apresentações em 3D. Aliás, as manifestações em
três dimensões já não são mais suficientes. A tecnologia cinematográfica já
prepara o desenvolvimento necessário da tecnologia para as exibições em 4D. As
megaproduções hollywoodianas já estão trabalhando em filmagens que envolverão todos
os sentidos do espectador.
Mas Deus não é adepto dos efeitos
especiais, mesmo que tenha nos criado com a necessidade que o corpo tem de
experimentar a realidade através dos sentidos. Não.
“Eu,
João, vi e ouvi a voz de
numerosos anjos, que estavam em volta do trono, e dos Seres vivos e dos
Anciãos”, proclama o Apocalipse de São João na primeira leitura (5,11-14).
Ora, se a vida é feita de
experiências, a ressurreição também é e, como a relação com o outro, a relação
com Deus também é validada pelo vê-Lo, ouvi-Lo, tocá-Lo. Não devemos
contentar-nos apenas em acreditar que Deus exista. Isso, de fato, não seria
crer! Não seria fé!
Fazer experiência é, portanto, imprescindível
para uma fé que nos leve ao relacionamento com Deus.
Quando essa experiência não
acontece, nossa “fé” é tímida e medrosa, nossa esperança é fraca e o nosso
testemunho do amor, é morno e opaco.
De fato, uma coisa é crer que o
amor existe, e outra coisa, muito diferente, é fazer a experiência de viver o
amor, de estar apaixonado!
Devemos ousar mais! Muito mais!
Não podemos desistir de ver, ouvir e tocar Deus. Pelo contrário, procuremos
fazer uma experiência profunda e verdadeira de Deus. Trata-se de provar e
“degustar” o seu amor! Caso contrário, de quais fatos nós seremos testemunhas
como o foi Pedro e os demais, de acordo com a primeira leitura (At 5,27b-32. 40b-41)?
Ou, como poderíamos dizer: “Transformastes o meu
pranto em uma festa” como reza o salmista (Sl 29), se não fizermos a
experiência da Páscoa?
Já dissemos que Deus
não é adepto de efeitos especiais como os do filme em 3D ou do futuro 4D. Ele se manifesta de modo simples, imprevisível
e autêntico, dando-Se a conhecer sempre de modo novo e diferente, ainda que
seja sempre o mesmo!
E, porque Jesus se manifesta, é
preciso reconhecê-lo! “Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro:
“É o Senhor! Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa,
pois estava nu, e atirou-se ao mar, como proclama o Evangelho (Jo 21, 1-19).
A constatação de João e a atitude
imediata de Pedro de atirar-se na água tem muito a nos dizer. Quer dizer, por
exemplo, que não é possível viver uma fé que não acende e ilumina as nossas
relações. Denunciam que não é esperança verdadeira limitar-se aos ritos apenas,
mas que não aquecem a vida.
Chega de um tipo de caridade não
“assa peixe” e não leva os demais a trazerem um pouco do que “pescam” para saborear
peixe assado! Não é mais possível continuar a pescar com “efeitos especiais”
que, na verdade, não “pescam” nada, mas apenas vislumbram e empolgam! É urgente
querer e buscar encher as redes fazendo a experiência de “atirar-se no mar”
obedecendo a Palavra de Deus e o ensinamento de Pedro. É preciso escutar a voz
do Senhor que pergunta também a cada um de nós se o amamos, não obstante as muitas
vezes que o renegamos, assim como também o fez o próprio Pedro.
Ouçamos a Sua voz que nos
confirma no seu amor. Sigamos o Ressuscitado, não com as nossas próprias
forças, mas com a experiência e com a força do Seu Amor. Reconheçamos a Sua
presença manifestada nesta Eucaristia; nos sacerdotes que pregam e que nos fazem
escutar as Suas Palavras. Vamos reconhecê-Lo no irmão e na irmã, no próximo;
nesta paróquia, nesta Igreja, no Papa, nos seus ministros, e acima de tudo, na
normalidade e no quotidiano imprevisível.
Mesmo nos momentos mais difíceis,
no trabalho e na família Ele se faz presente e espera que O reconheçamos!
A razão de ser do cristão e o que
o faz, não só levar o nome, como nos ensina Santo Inácio, Mártir, mas o ser, de
fato, não é uma vida caracterizada pelo bem estar e pela ausência de problemas,
crises ou dificuldades.
Uma vida autenticamente cristã é
caracteriza pela Sua presença que se manifesta na vida de cada pessoa humana. É
nessa experiência que podemos encontrá-Lo e reconhecer a nossa semelhança com
Ele, através da bondade, do amor, da verdade e do perdão. Então poderemos dizer
como Pedro: “Senhor, tu sabes tudo! Tu
sabes que eu te amo”!
Ele não exige que prometamos como
Pedro um dia fez: “Eu te seguirei,
Senhor, aonde quer que vá”! Aliás, sabemos muito bem como terminam esses
propósitos que já fizemos tantas vezes e com tanta convicção.
Digamos apenas, eu te seguirei,
Senhor. Apenas isso! Mesmo que seja sem palavras, mas com as nossas atitudes. O
Senhor sabe de tudo o que precisamos, e Ele preparará para nós, de acordo com a
nossa “fome”, o banquete que precisamos, seja com peixes sobre as brasas ou com
o Seu perdão, Sua bênção e Sua paz. Ele se fará presente! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br – www.inacianos.org.br).
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