(Liturgia
do Segundo domingo da Páscoa)
“Oito
dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé
estava com eles”. É
impossível não atualizar espontaneamente a página do Evangelho de hoje (Jo 20,19-31). Justamente porque oito
dias depois da Páscoa os cristãos se reúnem de novo na Igreja. Passou-se oito
dias, que para a liturgia são como um único dia, isto é, o grande dia da
Páscoa.
Depois de termos vivido os
intensos ritos da Semana Santa, retomamos as nossas atividades normais, a vida
em família, o trabalho etc.
Mas, como tudo é muito recente,
principalmente tudo o que nos preparou para a Páscoa e a própria celebração da
Páscoa, nos permite uma pergunta, apenas uma semana depois. O que permaneceu em
nós, de tudo o que celebramos? O que, da Páscoa, de fato, ficou em nós? A luz da
Páscoa abriu em nós um novo espaço, livre pela fé, pela esperança, para amar
com um dinamismo renovado?
Já na primeira semana depois, é
possível colocar a força da Páscoa em nós, à prova. Porque a verdade dos ritos
que celebramos, só é possível verificar no dia a dia vida. Porque é o quotidiano
que coloca à prova a nossa fé em Jesus ressuscitado.
Como é possível crer na vitória
da vida sobre a morte quando a maior parte das pessoas pensa egoisticamente
sobre si mesmas? Como
é possível crer, quando parece que a satisfação das necessidades da vida só podem
ser satisfeitas pelo ato de consumir sempre mais, ignorando que o meu próximo, talvez,
mal está conseguindo sobreviver? Como é possível crer quando o cansaço, o medo
e a falta de confiança é que guiam as nossas atitudes?
“Oito
dias depois... Tomé estava com os demais discípulos”. É preciso repetir a notícia
porque cada um de nós que retorna à igreja oito dias depois para celebrar
sempre de novo a Páscoa, traz dentro de si os traços de Tomé.
Ele queria ver e tocar aquele
Jesus que tinha visto, de longe, pregado na Cruz. Nós, talvez, mesmo sem
verbalizar, podemos questionar para que nos serve crer no Senhor Ressuscitado, se
isso não produz efeitos concretos em nossas vidas e na vida das pessoas com
quem convivemos? Pode ser que, assim
como Tomé, estejamos à espera de alguém que nos dê uma resposta satisfatória.
Na verdade, são as leituras deste
Segundo Domingo de Páscoa é que podem nos ajudar a mudar o nosso modo de
entender o que é a Ressurreição e o que significa, de fato, a fé no
Ressuscitado.
Maria tinha ido ao sepulcro e o
havia encontrado vazio. Pedro e João constataram. Os demais discípulos, porém, ainda
estavam imersos nas sombras do medo e da desilusão. É nesse contexto que Jesus se
faz presente de maneira totalmente inesperada, e os saúda com o dom da Paz.
Jesus os reconhece novamente como
pessoas dignas de amizade e de estima, mesmo que o tenham abandonado nos
momentos em que mais precisava que eles fossem amigos e fiéis, na Sua Paixão. Depois que permitiu ser reconhecido com os sinais da morte,
envia-os para levar aos outros o anúncio do Ressuscitado, e sopra sobre eles o
Espírito. Trata-se do sopro divino, como aquele do Criador que dá vida nova,
para que possam perdoar os pecados, levando a vida do Ressuscitado onde há
morte.
Neste quadro, portanto, a ressurreição é Jesus fazendo-se presente
vivo no meio dos seus; ressurreição é Jesus reatando com eles a aliança, encarregando-os
de continuar a sua própria missão.
Lançando um olhar mais profundo
para o antes e o depois da vida dos discípulos, é impossível não constatar que
a fé no Ressuscitado produz uma grande transformação que, na realidade,
constitui a passagem do medo inicial à alegria que nasce ao ver Jesus e se
exprime também no ato de darem, depois, o testemunho desse encontro a Tomé que não
estava presente no primeiro encontro.
Pobre Tomé! É tradicionalmente
visto como o símbolo da pessoa cética, daquele que crê somente naquilo que vê. Mas
o que fizeram de diferente os outros discípulos? Eles viram e acreditaram! E Tomé
quer fazer exatamente a mesma coisa!
De fato, Tomé não é melhor nem
pior do que os outros discípulos, mas representa, ou melhor, personifica a
dificuldade de crer, que há em todos nós, que convive lado a lado com a fé
sincera e que não é vencida uma vez por todas mas, pelo contrário, que volta e
meia nos rodeia e nos “cutuca”.
Tomé simboliza a nossa necessidade de provas evidentes, que nos
ajuda a evitar o problema da parcialidade, da visão nublada e também do
problema que é confiar numa promessa que ainda não se cumpriu. Portanto, é Tomé
quem torna evidente o difícil caminho da fé em Jesus Ressuscitado.
O fato de Jesus estar vivo é tão sério,
que Ele se mostra aos seus discípulos uma segunda vez, oito dias depois, quando
dá, mais uma vez, a Sua paz, porque sabe que temos necessidade dela sempre
novamente. É tão importante que Ele dedica-se, desta vez, inteiramente a Tomé. Parece
até que nesse momento até se esquece dos outros dez, exatamente como o pastor
que se preocupa com aquela única ovelha perdida.
Jesus não despreza a necessidade
que Tomé tem de tocá-Lo! Oferece-lhe as mãos e o lado.
Mas ver Jesus já é o bastante
para Tomé! Isto é, aquilo que faz com que ele creia, o que o leva a ter fé é
ver que Jesus está ali por ele, que não o reprovará pela falta de fé, que o ama
assim como ele é. É dessa experiência que nasce a belíssima profissão de fé que
nós repetimos tantas vezes: “Meu Senhor e
meu Deus”!
Mas Jesus não se fez presente
entre os seus somente por causa de Tomé. Ele cuida e se preocupa também de
todos os que viriam depois dos primeiros discípulos, para os quais a fé nasceria
só pelo ouvir os depoimentos das primeiras testemunhas oculares. É para eles, ou melhor, para
nós, que Jesus diz: “Bem aventurados os
que creram sem terem visto”!
A ressurreição é Jesus vivo no meio dos seus discípulos, presente
na comunidade dos que n’Ele crêem. É Jesus que lembra até dos que um dia virão
a crer, inclusive daqueles que, como Tomé, não estão presentes e, por isso
mesmo, tem e terão mais dificuldade para crer.
O ato de crer na ressurreição
e ou no Ressuscitado não depende de “ver e tocar Jesus”. É dar crédito ao testemunho
daqueles que, tendo-O encontrado, mudaram as suas próprias vidas, passando do
medo à alegria, da incredulidade à fé!
As testemunhas viram os sinais
que Jesus realizou e, a partir da ressurreição, O descobriram como sinal da
vitória da vida sobre a morte e, por isso mesmo, deixaram o testemunho por
escrito nos Evangelhos que, às vezes, levamos em procissão e beijamos depois da
leitura, com toda reverência, não ao livro de papel exatamente, mas ao
Ressuscitado que ele “contém”.
Jesus não aparece mais visivelmente
a nós hoje, mas temos o Evangelho que guarda a memória dos seus sinais e das
suas palavras. Temos a Eucaristia que contém e comunica o sentido da Sua morte e
da Sua vida; temos o mandamento novo do amor que nos distingue dos demais e nos
identifica como aqueles que conheceram Jesus Ressuscitado!
Hoje também a ressurreição
continua a acontecer. É por isso que a fé dos discípulos e de Tomé pode nascer
e viver em nós. Hoje também o nosso jeito de viver, na família, no trabalho, nos
diversos meios sociais e eclesiais pode fazer a diferença, assim como a
passagem de Pedro fazia a diferença, a ponto de muitos buscarem, nem que fosse
tocar a sua sombra, como nos revelou hoje a primeira leitura (At 5,12-16). A ressurreição aconteceu
historicamente, mas não pode ser “vista” e compreendida, senão através da
transformação que é capaz de acontecer em nós, quando passamos da desconfiança
à força da fé, do desespero à coragem e do egoísmo à abertura na direção dos
outros. (Frei Alfredo Francisco de
Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br
– www.inacianos.org.br).
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