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(Liturgia do Terceiro Domingo do Tempo Comum C)
As leituras deste terceiro
domingo do Tempo Comum propõem uma única mensagem. Trata-se do cumprimento da
Palavra de Deus.
Cerca de 400 anos antes de Cristo
os judeus, ao retornarem do exílio da Babilônia, começaram a reorganizar a sua
vida de fé e de culto a Deus. Este renascimento religioso ocorreu em torno de
um livro que o Sacerdote Esdras proclama solenemente diante do povo reunido, na
primeira leitura (Ne 8,2-4ª. 5-6. 8-10).
A Bíblia, portanto, fala de si mesma e se apresenta como “o livro da Lei de
Deus”.
Através da sua leitura o povo,
com grande emoção, revisita a sua história passada, relida como história de fé
e de Aliança com Deus, mas também como história de culpa e de pecado,
provocando um profundo sentimento de tristeza no povo.
O sacerdote Esdras com os seus
colaboradores, os escribas, isto é, os estudiosos e amantes da Palavra de Deus,
ajuda o povo a compreender o que está escrito. Sim, compreender, porque não se
trata de uma Palavra mágica, e que de resultado eficaz, apenas pela sua simples
leitura e escuta. Trata-se de uma Palavra que deve ser compreendida em profundidade.
Como um diálogo entre Deus e o
Seu povo, a Palavra de Deus é uma provocação e um convite divino ao diálogo,
que deve ser acolhido de todo coração e, então, respondido.
A primeira resposta que Esdras propõe
é que o povo pare de chorar e comece a fazer uma grande festa com comida farta
e suculenta. Mas o banquete deve envolver a todos, inclusive, convidando para o
brinde, aqueles que estavam desprevenidos. Uma festa em honra do Senhor!
A Palavra de Deus, isto é, o fato
de Deus querer falar ao Seu povo é, de fato, uma notícia maravilhosa que deve
provocar alegria e festa. E como não fazer festa se Deus demonstra todo o Seu
amor chamando a humanidade a um diálogo afetuoso?
Resumindo, é o que diz o Concílio
Vaticano II na Constituição Apostólica Dei
Verbum: “na Sagrada Escritura Deus
fala aos homens como quem fala a amigos”, demonstrando com o simples fato
de comunicar o Seu profundo desejo de estreitar um laço, uma aliança de intensa
amizade com cada um de nós.
Muitas vezes, o nosso jeito de
escutar a Palavra de Deus é marcado pela tristeza, pelo tédio ou indiferença,
sobretudo porque parte de um princípio equivocado. Podemos até esperar dela
correções, piedosas exortações, e até mesmo “sermões” não muito atraentes. Mas
Deus, diferentemente do que podemos pensar, fala-nos como amigo para
estabelecer a amizade e, justamente por isso, vale à pena escutar a Sua Palavra
com interesse renovado, pois somente assim a Palavra começa a se cumprir em
nossa vida cotidiana.
Os Coríntios, aos quais Paulo
escreve na segunda leitura de hoje (1Cor
12,12-30), ainda estão longe de
se deixar possuir pelo Espírito, haja vista que o primeiro sinal da presença do
Espírito no centro da vida da Igreja é, de fato, a unidade na diversidade dos
carismas.
Mas, pelo contrário, a comunidade
de Corinto está dividida e luta entre si pela supremacia do anúncio do Evangelho.
Pior ainda é constatar que essa divisão se repercute e reflete nos sinais mais
significativos e caros da unidade como, por exemplo, nas refeições comuns que
precedem a Eucaristia, manifestando, assim, o egoísmo dos mais ricos, e também
pelo fato de que alguns cristãos, cheios de orgulho por causa dos seus
carismas, tenderem a exercer domínio sobre os outros.
Reagindo contra esses desvios o
Apóstolo indica como deveria se comportar a comunidade cristã onde Cristo está
presente e é o centro. A comunidade cristã, por excelência deveria ser um corpo
harmonioso no qual cada um encontra o seu lugar para o bem de todos!
O Evangelho (Lc 1,1-4; 4,14-21) retoma a experiência do encontro com a Palavra
de Deus descrita na primeira leitura, porém, levando-a a plenitude.
Jesus também, assim como o
sacerdote Esdras, abre o livro da Palavra de Deus, diante dos seus conterrâneos
de Nazaré e lê um texto de Isaías. “O
Espírito do Senhor está sobre mim...”, uma profecia claríssima sobre a
vinda do Messias, mas que está incompleta.
O texto de Isaías, de fato,
depois de ter proclamado que o Messias anunciará a Boa Nova, que libertará os
prisioneiros e dará a vista aos cegos, que inaugurará solenemente o tempo da
Graça, terminava com uma frase de impacto: “E
dará início a um dia de vingança do nosso Deus”.
Jesus, enviado do Pai para dar
cumprimento às Escrituras e também, portanto, favorecer uma leitura mais plena
e correta do Antigo Testamento, evita ler essa frase. A Sua revelação do mistério de Deus supera as próprias
palavras de Isaías que, como um homem do seu tempo, não conseguia imaginar um
Deus que ama o Seu povo, senão como um Deus que o defende, ameaçando os
inimigos desse povo com a vingança.
Quantas vezes também nós
raciocinamos assim e a nossa ideia de justiça divina não ultrapassa o desejo de vingança?
Quantas vezes nós esperamos um castigo ou condenação de Deus para os maus que,
na realidade, não passa do desejo de vingança?
Jesus cumpre a Escritura não
apenas fazendo e cumprindo o que fora anunciado pelo Antigo Testamento, mas
principalmente, aperfeiçoando a Sua revelação do rosto de Deus.
Ele vem para anunciar, com a Sua
carne, um Deus que não só quer ser amigo do ser humano, mas que também se faz
humano. Não só quer converter os pecadores, mas morre por eles! Que não se
limita apenas a dar esperança diante do medo da morte, mas que ressuscita e
promete a ressurreição.
Se Esdras propunha ao seu povo,
justamente, uma resposta cheia de alegria e de confiança diante da proclamação
da Palavra do Antigo Testamento, quanto mais nós devemos nos alegrar e fazer
festa diante do anúncio do Evangelho de Jesus!
O maior desejo de cada cristão
hoje deve ser o de que as Suas palavras, realmente, se cumpram. Um desejo alegre que deve se transformar em
esforço concreto de vida. Assim, obedeceremos ao Senhor fazendo ainda mais
perfeita alegria, e a alegria do Senhor será, de fato, a nossa força e, então,
poderemos cantar com o salmista (Sl 18B): “Vossas palavras, Senhor, são
espírito e vida”! (Frei Alfredo
Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos –
formador@inacianos.org.br – Web site: www.inacianos.org.br).
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