(Liturgia do Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo
Comum)
As
situações dramáticas da vida, geralmente, emudecem a palavra. Emudece até mesmo
quem tem necessidade de exprimir os próprios sentimentos. Na verdade, chegam a
provocar a “surdez” também naqueles em que a dor é tamanha, que não há o que
possa consolar.
Diante
de um luto grave, um acidente trágico ou da descoberta de uma doença grave, de
fato, não é fácil estar ao lado das pessoas afetadas por esses eventos e, ao
mesmo tempo, falar uma palavra sensata. Às vezes, o silêncio que anuncia apenas
a presença amiga e solidária e nada mais, é o suficiente. Quando é possível,
assim prefiro!
Um dos serviços do ministério ordenado é estar presente em momentos difíceis de dor e
sofrimento na vida do nosso povo. Já tive a triste missão de consolar uma
família cujo pai acabava de ser sepultado. O motivo da morte foi um infarto
fulminante deixando, assim, uma jovem viúva com quatro filhos ainda bem
pequenos.
A
morte nessa circunstância se apresentou ainda mais inacreditável e paradoxal, pelo
fato de que, há pouco menos de um ano, o mesmo pai tinha superado,
corajosamente, as marcas terríveis de um acidente automobilístico que o havia impossibilitado
sem andar ou trabalhar durante quase um ano. De fato, havia pouco tempo que
estava recuperado.
Sem considerar
que o evento da morte por uma causa inesperada e imprevisível gera, indubitavelmente, nos presentes as perguntas: mas como isso é possível? Por quê? Onde estava Deus
nesse momento? Por que Deus permite tal coisa? , E agora, como ficam a esposa e
os quatro filhos pequenos?
Nesses
momentos, dizer alguma coisa é como se, de repente, todas as palavras
“cabíveis”, isto é, apropriadas e necessárias, desaparecessem do vocabulário!
Mas
também quem escuta as poucas palavras dos muitos que estão ao redor nessa hora,
desejaria , talvez, ficar surdo às inúteis expressões dirigidas ao inconsolável, palavras e expressões incompreensíveis. São palavras ditas com a melhor das boas intenções, contudo,
insuficientes e inúteis para atingir a dor de quem está sofrendo.
Onde
buscar forças para poder dizer: “coragem”! Ânimo! Como não correr o risco de se
tornar banal, inoportuno e até mesmo “inconveniente”? Afinal, somos limitados!
Mas
Deus não! Ele vai decididamente de encontro à fragilidade das situações humanas
de todos os tipos. É capaz de atingir e “tocar” todas as perdas e a desolação
com o grito profético: "coragem”! Não tenha medo"! “Criai ânimo”!
Fala pela boca de Isaías na primeira leitura (35, 4-7a).
É a
primeira leitura ainda que apresenta a marca de um Deus que se compromete nas
situações mais difíceis, inclusive, expondo-se e prometendo aquilo que,
humanamente, não se pode esperar. “... se
abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo
saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos ...”!
De
fato, Ele diz e faz! O povo de Israel precisa aceitar o desafio da salvação, trazido por
esse anúncio. Deus intervém com este convite e espera coragem e confiança na
sua ação salvífica, ainda que seja nos momentos mais decisivos, difíceis e críticos,
humanamente no limite do impossível.
A
proximidade de Deus com o Seu povo é motivo de profunda consolação. “Vede, é vosso Deus”! Trata-se da certeza
de uma solução, uma saída e uma luz nos momentos marcados pela provação, pela dúvida e pela dor.
Nas
mãos de Deus, mesmo as situações mais difíceis podem contribuir para algo novo,
diferente, isto é, para a vida. Tudo desperta, como a primavera, fazendo ressurgir tudo aquilo que estava destinado a “morrer”, na escuridão.
A participação
na salvação anunciada pelo Senhor, comunica que tudo e todos serão envolvidos
beneficamente, e portanto, a criação tocada pela intervenção de Deus é uma
criação totalmente restaurada.
A harmonia
perdida é recuperada, a criação torna-se um hino de louvor: “Bendirei ao Senhor toda a vida”! (Sl 145),
é o solene reconhecimento da intervenção de Deus.
“Vede, é vosso Deus, (...) é a recompensa de
Deus; é Ele que vem para vos salvar”! Sem exclusão geográfica, envolvendo
regiões pagães inteiras, como a região da Decápole, indicada no Evangelho. Jesus cumpre a profecia de Isaías e faz notar isso
através do jeito decidido de viver a Sua caminhada missionária!
Muitíssimo
diferente de nós, humanamente limitados até mesmo nas palavras, Deus não só
fala, mas faz! De repente, apresentam o homem surdo-mudo. Suplicam a Jesus para
que imponha as mãos sobre ele e Jesus, no gesto das mãos abertas, expressa o
senhorio de Deus, a soberania e o poder até mesmo sobre as forças da natureza.
Todo o
gestual de Jesus, ou seja, a “liturgia” que realiza, expressa nos verbos “afastou-se – colocou (os dedos) – cuspiu –
tocou – olhando (para o céu) – suspirou – corre o risco de ser interpretada
como o agir de um “feiticeiro”, ou um curandeiro qualquer.
Parece
que Jesus recorre a gestos mágicos e estranhos, pronunciando palavras
misteriosas, quase “sem sentido”. Mas é
através do que “escapa” ao humano, que o poder de Deus, expresso no gesto de
Jesus, (“olhando para o céu”), está
de novo operando.
Dedos
e saliva são os elementos utilizados para a nova criação. Jesus é o salvador
anunciado, é a presença consoladora de Deus no meio de nós. Os sinais que Ele
realiza são sempre em relação aos pobres, respondem às aspirações mais
profundas do ser humano que necessita da “cura” e quer ser, novamente,
introduzido na sociedade, como uma pessoa capaz de participar, comunicando-se.
O
surdo-mudo é conduzido para fora da multidão, encontra-se, portanto, diante de
Jesus, como Adão, o primeiro homem plasmado estava diante de Deus, mas não
ainda como o “ser vivente” (Gn 2). Passa a ser “vivente” de uma vida nova
quando Jesus lhe transmite a Sua força.
Então,
a velha criatura é recuperada e a natureza é restaurada. O sopro de vida produz
a “nova criação” e o suspiro de Jesus soa como um “eco” da participação no
sofrimento do surdo-mudo e também como premissa da cura: “Efatá”! Abre-te!
A
abertura do céu, isto é, da “morada” de Deus, é condição para a abertura dos
ouvidos e para o “destravamento” da língua do homem. Em Jesus irrompe “do céu”
o poder do próprio Deus ... da vida!
Na
catequese de Marcos, na verdade, o surdo-mudo é o protótipo do catecúmeno que
ainda está limitado diante da Palavra e da Luz de Cristo e, portanto, incapaz
de exprimir corretamente a própria fé. Mas é ele quem proporciona o encontro
radical com Jesus e deixa explícito que o itinerário a ser percorrido é de vida
e de luz.
O
texto do Evangelho de hoje nos interpela e nos provoca à escolha pessoal, a
sairmos do senso comum e do anonimato da multidão, para “estar diante” do Mistério da Luz que, gradualmente, introduz o
catecúmeno no “Efatá” de uma vida cristã plena.
A liturgia batismal confere à narração de Marcos
uma atualidade extraordinária, sobretudo quando recordamos que o batismo
termina, justamente, com a celebração dos ritos, ou de pelo menos parte deles, realizado por Jesus.
Está claro que a fé dos discípulos está, constantemente,
um pouco “aquém” da direção e do brilho da Luz.
Eis aí o itinerário catecumenal que conduz na
direção certa para que se adquira uma identidade sempre mais configurada a de
Jesus Cristo. Isso começa a acontecer quando nós, discípulos, vamos alcançando
a maturidade da Escuta e da Profecia, assim como os discípulos do Evangelho de
hoje: “Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas,
quando mais Ele recomendava, mais eles
divulgavam”. (Frei Alfredo Francisco de Souza,
SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br
– Website: www.inacianos.org.br).
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