(Solenidade
de Nosso Senhor, Jesus Cristo, Rei do Universo)
O final do ano litúrgico nos
proporciona o encontro com dois aspectos importantes da nossa fé. Aspectos que precisamos
redescobrir. Trata-se da vinda final do
Filho do Homem, apresentado nas leituras da missa do domingo passado (33º
domingo do tempo comum), e Jesus Cristo Rei do Universo, apresentado neste
domingo, o último deste ano litúrgico.
Dirigir-se a Jesus com o título
de “rei” pode soar um pouco estranho aos nossos ouvidos e, parece, distanciá-Lo
de nós, sobretudo porque já faz muito tempo que superamos a fase das monarquias.
Portanto, falar ou ouvir qualquer coisa que se refira a rei nos dá a ideia de
algo ultrapassado, distante e fora da realidade. Contudo, a celebração da festa
de Jesus Cristo, Rei do Universo não quer distanciá-Lo de nós.
A liturgia, simplesmente, se
exprime com os termos da própria bíblia que, freqüentemente, fala de Reino, de
realeza, de trono e de rei para falar-nos de Deus e da Sua presença no mundo.
Para compreender o significado
desses termos, devemos procurá-los na bíblia que conta uma história na qual há muitos
reis, sobretudo no Antigo Testamento. No Novo Testamento refere-se a um único
rei, totalmente diferente daquilo que, talvez, seja a nossa ideia de Jesus como
rei. A bíblia contém uma história, não ideias, e somente percorrendo essa história
podemos acolher a mensagem de Deus para nós.
As leituras da festa deste
domingo dedicado a Jesus Cristo, Rei do Universo, como sempre, nos apresentam
um quadro da história. Procuremos coligar com a história inteira, para
valorizar a mensagem.
O evangelista São João (Jo 18,33b-37) não fala de Jesus que
anuncia o Reino de Deus, como os outros evangelistas, mas apresenta Jesus
anunciando o Reino durante a Sua Paixão, diante de Pilatos, que O interroga.
Mesmo sendo alvo de um processo
de acusação, Jesus não hesita em reconhecer-se Rei. Nessa forte cena do
processo, a palavra “rei” assume significados diversos, segundo quem a
pronuncia.
Os judeus, que esperam um
Messias-rei, entregaram Jesus a Pilatos sob a acusação de que Ele autoproclamara-se
rei em sentido político; como uma alternativa a César, como pretexto para
condená-Lo.
Pilatos inicia o interrogatório sob
essa perspectiva e pede a Jesus para se pronunciar a respeito. Jesus, logo de
início, nega ser rei, depois afirma sê-lo. Nega que é um rei político, pelo que
não representa nenhum perigo ao Império Romano. Não se proclama, tampouco,
herdeiro do reino de Davi. Quando disse que o Seu Reino não é “daqui”, isto é, deste mundo e, segundo
as perspectivas da acusação, subentende que, num certo sentido, é sim, rei.
Pilatos, então, O pressiona e
Jesus aprofunda a questão. De fato, Ele é Rei, mas de um reino que vem de mais
longe e do alto. O Seu Reino se torna realidade, isto é, acontece pela presença
da verdade, da qual dá testemunho. Os seus súditos são aqueles que estão do
lado da verdade!
Para Pilatos, e para todos nós
que “participamos” desse processo de Jesus, estas palavras são muito mais do que
um explicação. São um convite a colocar-se do lado da verdade, a aceitar Jesus
como Rei, reconhecer o seu poder, que é muito diferente do poder dos reis deste
mundo e que a nada se compara e, por isso mesmo, nem Pilatos, nem César e todo
o sistema precisam temer.
Pilatos compreende que Jesus vai
além, em profundidade, mas responde de modo evasivo, mostrando não esperar nada
daquele galileu e então, pergunta: “O que
é a verdade”? Jesus não responde com palavras à pergunta de Pilatos, porque
está respondendo com a Sua pessoa, com a Sua presença e com a Sua obediência ao
Pai.
Trata-se de mostrar “quem” é a
verdade e não “o que”, porque a Verdade é uma pessoa. Essa pessoa está diante
de quem pergunta, contudo, o interrogador não é capaz de enxergar a Verdade,
porque está do outro lado! Portanto, não são palavras que explicarão a Pilatos
quem é a verdade, pois a verdade está ali, diante dele e ele não é capaz de
enxergar!
Eis a Verdade! A Verdade é Jesus
que se doa por amor, é a força de quem se faz fraco para estar com os fracos.
Será que Pilatos aceitará colocar-se do lado da Verdade? Está disposto? E você,
aceita colocar-se desse lado?
E assim, sem enxergar, ao invés
de ser Pilatos quem dirige o processo contra Jesus, é Jesus que “senta-se” como
Juiz para fazer um juízo de separação entre quem está do Seu lado e quem não
está. Nesse processo não tem lugar para a imparcialidade, para ser neutro, ou
ser apenas um mero espectador. Nesse caso é impossível não optar!
Mas como, então, compreender a
natureza da realeza de Jesus? Jesus é rei no sentido de quem não tem nenhum
poder político ou militar; é um Rei que está para ser condenado por quem tem,
justamente, esse poder político e militar.
Nessa condenação, paradoxalmente,
confirma-se o poder de Jesus, soberano dos reis da Terra, como dizem os
primeiros versículos do Apocalipse lido na segunda leitura (Ap 1,5-8): “o soberano dos reis da terra. A Jesus, que nos ama,
que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados 6e que fez de nós um reino,
sacerdotes para seu Deus e Pai, a ele a glória e o poder, em eternidade. Amém”. É, sem dúvida,
uma referência àqueles que são capazes de oferecer o seu próprio sacrifício, isto
é, o sacrifício da própria vida.
Jesus nos ensina que o Reino que veio instaurar se realiza
quando somos capazes de viver para os outros, vencendo o pecado do egoísmo. Um
Reino assim fraco e ao mesmo tempo forte e poderoso é, de fato, o desejo de
todos os povos.
Na verdade, o livro de Daniel lido na primeira leitura (7,13-14), apresenta o profeta que,
numa das suas “visões”, viu vir sobre as nuvens uma figura humana que recebeu
de Deus o poder, a honra e a realeza ao ponto de todos os povos o servirem e de
ser rei de um Reino que nunca será destruído.
Celebrar a festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, significa,
portanto, professar a fé na presença do Seu Reino no mundo, inaugurado pela Sua
oferta na cruz e na qual somos chamados a fazer parte, seguindo o Cordeiro, o
Rei, imitando o Seu exemplo.
Significa também relativizar todos os outros tipos de poder
que se impõem sobre a humanidade, seja o poder político, o poder das armas, do
dinheiro, da mídia ou da estética. Isso
começa a acontecer quando passamos a viver os valores do Reino do qual Jesus é
Rei, de acordo com sua lógica.
Tomamos, então, consciência de
que somos chamados a fazer um caminho contrário, a viver de um modo totalmente
ousado, diferente! Não é assim também na experiência de vivenciar o amor? O
amor requer fidelidade, é exigente! Temos hoje uma grande e bela oportunidade
de levar esse projeto a sério, afastando de nossas vidas toda a mediocridade,
as meias medidas, o estar “em cima do muro”.
A liturgia que celebramos na
festa de Cristo Rei é um convite a tomarmos consciência de que somos chamados a
caminhar de acordo com o projeto de Deus, mas não desprovidos, porque sabemos
que Ele nos ama e nos liberta dos nossos pecados e faz de nós sacerdotes para o
Seu Deus e Pai.
Um Deus assim, capaz de sofrer
até o fim, merece a totalidade da nossa resposta de amor. Se, de fato,
vivêssemos assim a nossa vida cristã, certamente, aquela alegria que dá sentido
ao nosso cansaço e às dores do sofrimento, nos acompanhará por toda a nossa
vida! Viva Cristo, Rei! (Frei Alfredo
Francisco de Souza, SIA – Missionário
Inaciano).
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