(Liturgia do Décimo Segundo Domingo do Tempo Comum)
A dinâmica da
liturgia de hoje faz uma passagem um tanto quanto brusca entre o clima
espiritual do domingo passado, com a singeleza e a potência contida da semente,
da qual algo certo era esperado, e este domingo, com a força bruta da
tempestade inesperada. Para nos ajudar na reflexão da Palavra de Deus deste
décimo segundo domingo do tempo comum, proponho, primeiramente, a oração do
Salmo 44:
“Levanta-te, por que dormes, Senhor?
Desperta, não nos rejeites para sempre!
Por que escondes teu rosto
e não te preocupas com nossa miséria e aflição?
Sim, nossa alma está prostrada ao pó,
à terra está colado o nosso ventre.
Surge em nosso socorro;
Resgata-nos pela tua misericórdia”!
A impotência humana
diante do impossível torna ainda mais dramática a incapacidade de evitar um
evento atroz e injusto.
A cena
evangélica deste Décimo Segundo Domingo do Tempo Comum nos permite perguntar: quanto
vale a vida humana ceifada antes da hora nas catástrofes naturais, como os
Tsunamis e terremotos? Quanto vale, Senhor, aos teus olhos, a vida humana
trucidada pela violência, pela guerra, pelos atentados terroristas, pela fome
ou pelas doenças incuráveis? Onde está Deus, nessas horas? Por que não faz
alguma coisa?
O grito dos
apóstolos naquela barca atacada por uma violenta tempestade torna-se hoje o
nosso grito: “Mestre, estamos morrendo e
tu não te importas”? É o grito
desesperado de tanta gente que ecoa nos quatro cantos do mundo. Se Deus existe,
diz-se por aí, parece que está dormindo! Seja pelo fato de não enxergar a nossa
dor, seja porque não compreende o nosso sofrimento, ou porque não age!
Se Deus existe parece,
realmente, ausente dos problemas reais e sofrimentos dos povos e da nossa
história. Por quê? O que mais, de tão importante, o Senhor tem para fazer, ao
ponto de distrair-se assim das necessidades do ser humano? Para que nos serve
um Deus assim? Aliás, precisamos mesmo de um Deus? O que Ele faz, se realmente, existe? Por que
dormes, Senhor? É também com outro Salmo, o 121, que podemos responder:
“Levanto os olhos para os montes
De onde me virá o auxílio?
Meu auxílio vem do Senhor que fez o céu e a terra.
Não deixará teu pé vacilar, aquele que te guarda,
não dorme.
Não dorme, nem cochila o vigia de Israel.
O
sono de Cristo na barca tem uma única explicação! Ele quer despertar o grito da
nossa fé! A ousadia desta afirmação está nas palavras do próprio Jesus que, quase
chocado, pergunta aos apóstolos: “Por que
sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?
A fé sincera
desperta a consciência de Sua presença na “barca” da nossa história. O ser
humano, quando grita, procurando por Deus, aparentemente ausente da história
humana e banido da vida do mundo pelos que pregam a doutrina do próprio homem
ao homem, deveria gritar para fazer ecoar dentro do seu coração, para “acordar”
e despertar a presença do próprio Deus
“escondida” dentro de cada pessoa!
A fé imatura supõe
um Deus sempre acordado, independentemente da nossa própria fé. Um Deus sempre
pronto, mesmo sem o nosso conhecimento ou sem que com Ele nos relacionemos, de
fato e frequentemente. Um deus como os muitos deuses da mitologia grega que
manipulam as vidas e os destinos dos seus protegidos. Isso mesmo, um Deus que
evite as nossas tempestades, a qualquer preço!
Acontece que
Deus não é um amuleto de plantão, escolhido entre tantos outros e usado porque dizem
que, talvez, pode funcionar melhor do que os outros, para nos proteger de
problemas e tragédias da vida! O Deus de Jesus Cristo revelado ao mundo não age
assim!
É preciso
compreender que a fé se faz extremamente necessária para “despertar” a Sua
poderosa presença em nossa vida!
O Deus de Jesus
Cristo não é um Deus insensível! Não tenhamos dúvida de que Ele compartilha o
gosto amargo de nossa existência, o fel do nosso desespero, a frustração dos
nossos projetos sem sucesso, bem como a decepção da nossa falência, causada pelos
ventos contrários que pretendem afundar as nossas esperanças e expectativas.
A resposta de
Jesus aos apóstolos parece sinalizar para o que Cristo espera de nós. O que Ele
espera é que sejamos capazes de confiar em enfrentar com Ele, toda tempestade
difícil, confiando n’Ele sempre, mesmo que a água chegue até o nosso pescoço!
Hoje Jesus nos
dá uma lição clara de como enfrentar a história neste mundo. Devemos navegar no
mar desta vida com Ele, tê-Lo em nossa “barca”, assim como os apóstolos
fizeram, antes que o medo tomasse conta deles, “Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava, na barca”, para
que Ele faça conosco a travessia durante as passagens mais tempestuosas do
nosso navegar neste mundo.
“Assim como estava”, ou se quisermos, “assim como Ele era”, isto é, não como
um Deus “criado” por nós à nossa própria imagem. Trata-se aqui de
compreendermos que não podemos nos salvar agarrando-nos a um deus criado pelas
nossas fantasias religiosas, principalmente fundadas na idolatria dos falsos
valores, do poder do dinheiro, do deus “alívio imediato” e do prazer fácil!
Somos convidados
a superar a tentação da ideia de que podemos nos sentir mais seguros com um
deus "programado" de acordo com a nossa lógica e os nossos desejos.
Pelo contrário! A fé amadurecida nos leva a, diferentemente, acolhê-Lo
incondicionalmente, deixando a Ele a total liberdade de ação!
Portanto,
caminhemos, ou melhor, naveguemos cheios de esperança, com a certeza de que, na
“barca” de nossas vidas, Cristo está sempre presente! Ainda que a nossa fé
imatura, presuma que Ele esteja “dormindo”, pelo fato de não realizar sempre a
nossa vontade e de não fazer com que as ondas violentas das tempestades da vida
não cheguem até nós. Ele se importa conosco e sabe de tudo o que nos acontece!
Ele está vivo e acordado, isto é, ressuscitado, faz a travessia conosco. Ele é
Aquele que tem o domínio sobre todas as forças! A Ele, até o vento e o mar
obedecem! Quanto à nós, é preciso que sejamos gente de fé
madura num Deus que nunca dorme! (Frei
Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – Website:
www.inacianos.org.br).
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