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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sábado, 20 de junho de 2015

A FÉ MADURA NO DEUS QUE NÃO DORME

(Liturgia do Décimo Segundo Domingo do Tempo Comum)

A dinâmica da liturgia de hoje faz uma passagem um tanto quanto brusca entre o clima espiritual do domingo passado, com a singeleza e a potência contida da semente, da qual algo certo era esperado, e este domingo, com a força bruta da tempestade inesperada. Para nos ajudar na reflexão da Palavra de Deus deste décimo segundo domingo do tempo comum, proponho, primeiramente, a oração do Salmo 44:

“Levanta-te, por que dormes, Senhor?
Desperta, não nos rejeites para sempre!
Por que escondes teu rosto
e não te preocupas com nossa miséria e aflição?
Sim, nossa alma está prostrada ao pó,
à terra está colado o nosso ventre.
Surge em nosso socorro;
Resgata-nos pela tua misericórdia”!

A impotência humana diante do impossível torna ainda mais dramática a incapacidade de evitar um evento atroz e injusto. 
A cena evangélica deste Décimo Segundo Domingo do Tempo Comum nos permite perguntar: quanto vale a vida humana ceifada antes da hora nas catástrofes naturais, como os Tsunamis e terremotos? Quanto vale, Senhor, aos teus olhos, a vida humana trucidada pela violência, pela guerra, pelos atentados terroristas, pela fome ou pelas doenças incuráveis? Onde está Deus, nessas horas? Por que não faz alguma coisa?
O grito dos apóstolos naquela barca atacada por uma violenta tempestade torna-se hoje o nosso grito: “Mestre, estamos morrendo e tu não te importas”?  É o grito desesperado de tanta gente que ecoa nos quatro cantos do mundo. Se Deus existe, diz-se por aí, parece que está dormindo! Seja pelo fato de não enxergar a nossa dor, seja porque não compreende o nosso sofrimento, ou porque não age!
Se Deus existe parece, realmente, ausente dos problemas reais e sofrimentos dos povos e da nossa história. Por quê? O que mais, de tão importante, o Senhor tem para fazer, ao ponto de distrair-se assim das necessidades do ser humano? Para que nos serve um Deus assim? Aliás, precisamos mesmo de um Deus?  O que Ele faz, se realmente, existe? Por que dormes, Senhor? É também com outro Salmo, o 121, que podemos responder:

“Levanto os olhos para os montes
De onde me virá o auxílio?
Meu auxílio vem do Senhor que fez o céu e a terra.
Não deixará teu pé vacilar, aquele que te guarda, não dorme.
Não dorme, nem cochila o vigia de Israel.

O sono de Cristo na barca tem uma única explicação! Ele quer despertar o grito da nossa fé! A ousadia desta afirmação está nas palavras do próprio Jesus que, quase chocado, pergunta aos apóstolos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?
A fé sincera desperta a consciência de Sua presença na “barca” da nossa história. O ser humano, quando grita, procurando por Deus, aparentemente ausente da história humana e banido da vida do mundo pelos que pregam a doutrina do próprio homem ao homem, deveria gritar para fazer ecoar dentro do seu coração, para “acordar” e despertar a presença do próprio Deus “escondida” dentro de cada pessoa!
A fé imatura supõe um Deus sempre acordado, independentemente da nossa própria fé. Um Deus sempre pronto, mesmo sem o nosso conhecimento ou sem que com Ele nos relacionemos, de fato e frequentemente. Um deus como os muitos deuses da mitologia grega que manipulam as vidas e os destinos dos seus protegidos. Isso mesmo, um Deus que evite as nossas tempestades, a qualquer preço!
Acontece que Deus não é um amuleto de plantão, escolhido entre tantos outros e usado porque dizem que, talvez, pode funcionar melhor do que os outros, para nos proteger de problemas e tragédias da vida! O Deus de Jesus Cristo revelado ao mundo não age assim!
É preciso compreender que a fé se faz extremamente necessária para “despertar” a Sua poderosa presença em nossa vida!
O Deus de Jesus Cristo não é um Deus insensível! Não tenhamos dúvida de que Ele compartilha o gosto amargo de nossa existência, o fel do nosso desespero, a frustração dos nossos projetos sem sucesso, bem como a decepção da nossa falência, causada pelos ventos contrários que pretendem afundar as nossas esperanças e expectativas.
A resposta de Jesus aos apóstolos parece sinalizar para o que Cristo espera de nós. O que Ele espera é que sejamos capazes de confiar em enfrentar com Ele, toda tempestade difícil, confiando n’Ele sempre, mesmo que a água chegue até o nosso pescoço!
Hoje Jesus nos dá uma lição clara de como enfrentar a história neste mundo. Devemos navegar no mar desta vida com Ele, tê-Lo em nossa “barca”, assim como os apóstolos fizeram, antes que o medo tomasse conta deles, “Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava, na barca”, para que Ele faça conosco a travessia durante as passagens mais tempestuosas do nosso navegar neste mundo.
Assim como estava”, ou se quisermos, “assim como Ele era”, isto é, não como um Deus “criado” por nós à nossa própria imagem. Trata-se aqui de compreendermos que não podemos nos salvar agarrando-nos a um deus criado pelas nossas fantasias religiosas, principalmente fundadas na idolatria dos falsos valores, do poder do dinheiro, do deus “alívio imediato” e do prazer fácil!
Somos convidados a superar a tentação da ideia de que podemos nos sentir mais seguros com um deus "programado" de acordo com a nossa lógica e os nossos desejos. Pelo contrário! A fé amadurecida nos leva a, diferentemente, acolhê-Lo incondicionalmente, deixando a Ele a total liberdade de ação!

Portanto, caminhemos, ou melhor, naveguemos cheios de esperança, com a certeza de que, na “barca” de nossas vidas, Cristo está sempre presente! Ainda que a nossa fé imatura, presuma que Ele esteja “dormindo”, pelo fato de não realizar sempre a nossa vontade e de não fazer com que as ondas violentas das tempestades da vida não cheguem até nós. Ele se importa conosco e sabe de tudo o que nos acontece! Ele está vivo e acordado, isto é, ressuscitado, faz a travessia conosco. Ele é Aquele que tem o domínio sobre todas as forças! A Ele, até o vento e o mar obedecem! Quanto à nós, é preciso que sejamos gente de fé madura num Deus que nunca dorme! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – Website: www.inacianos.org.br).

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