(Liturgia do Terceiro Domingo da Quaresma)
Neste Terceiro Domingo da Quaresma, os
gestos e as palavras de Jesus ressoam forte, no episódio do Templo de Jerusalém, quando derruba as mesas
dos cambistas e grita "Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma
casa de comércio!”
Diante
dos gestos e palavras de Jesus, precisamos superar a emoção imediata que
sentimos quando vislumbramos este "quadro" do Evangelho e que, não tem
a intenção de fazer com que prestemos atenção apenas na Sua "perda da
calma".
Poderíamos,
infelizmente, também, concluir que a atitude de Jesus diz respeito apenas aos
que "negociam" os favores divinos, lidando com o sagrado como se
fosse "negócio"; aos que escandalizam e reduzem a fé a mercado de
compra e venda, a interesses escusos com Deus, como se não dissessem nada à
cada um de nós.
Dirige-se
sim, aos vendilhões do Templo, mas relendo com mais atenção este trecho do
Evangelho (Jo 2,13-25), é possível
escutar sempre mais as palavras e os gestos proféticos de Jesus, confrontando-os
com cada um de nós mesmos, relacionando-os com a nossa própria fé e nossa
relação com Ele.
Eis
porque a liturgia e este tempo da quaresma impõe a cada um de nós a exigência
que o Senhor, venha também "derrubar", de alguma forma, a nossa fé
equivocada, redescobrindo e restabelecendo uma nova relação com Ele, através do
Seu mistério Pascal.
Confundir
nossa relação com Deus, de fato, significaria não só transformar a nossa fé em mercado,
onde reina a confusão e se estabelece um relacionamento falso e enganoso.
Ademais, se "Deus é amor", confundir a relação com Ele significa
também enganar-se sobre o amor, sobre a relação com os outros e até conosco
mesmos!
É
por isso que Jesus, neste Evangelho, se propõe a "derrubar",
juntamente com as mesas dos cambistas, a nossa "fé", em alguns
aspectos. Na verdade, Ele "derruba" o nosso relacionamento equivocado
com Deus com relação à noção de templo e da lei que, para o povo hebreu, são dois
sinais da comunhão com Deus, por excelência.
A
verdade é que Jesus quer purificar esta comunhão onde a observância escrupulosa
da lei e as práticas cultuais do templo, como a oferta de sacrifícios,
ofuscaram o absoluto na Aliança entre Deus e o homem. Aliança que é iniciativa
gratuita do amor de Deus que liberta e torna o homem capaz de fazer o bem.
Na
primeira leitura (Êx
20,1-3.7-8.12-17), isso aparece claramente: "Eu
sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da escravidão".
O absoluto da nossa fé, na verdade, é fazer experiência da misericórida de
Deus, da Sua redenção totalmente gratuita e não merecida por nós, através do
Seu mistério de mortte e ressurreição.
É por isso que
os discípulos conseguem compreender o gesto de Jesus no templo, mas conseguem acreditar, de fato, somente depois da Sua
ressurreição, porque fazem uma experiência pessoal de um amor totalmente gratuito
de Cristo que os salva. Não porque eles se tornam "discípulos perfeitos e
devotos", mas porque foram tocados em seus corações por esse amor
crucificado e ressuscitado, que lhes abre à verdadeira Vida e lhes permite
dizer:"Eu creio em Ti, Jesus", "Confio em Ti, Senhor!".
Jesus
sabe muito bem que, para recuperar o seu verdadeiro ser, o homem só conseguirá
fazê-lo se deixar que Ele toque no mais profundo do seu coração: "Ele, de fato, conhecia o coração do
homem"!
Cabe,
portanto, a cada um de nós deixar-se tocar por Ele. A nossa fé nasce,
realmente, de uma experiência de ordem afetiva - que não se trata de
sentimentalismo - onde Deus toca o coração do homem, através do amor pascal de
Cristo que lhe concede, novamente, o dom maravilhoso e gratuito de sentir-se "autorizado"
a viver e a sentir-se justificado.
"Não é o homem que compra a
benevolência de Deus com sacrifícios no templo,
mas é Deus que conquista o coração do homem com o Seu sacrifício na cruz,
manifestação evidente do Seu amor"!
Infelizmente, Jesus vê no templo
um distanciamento de Deus. Continua a ver na humanidade que também se distancia
de Deus ou que constrói uma falsa imagem dele, que se torna cada vez mais forçada
a realizar a própria vida sozinha, como também, com as próprias forças,
pretende reapropriar-se da benevolência de Deus.
Trata-se
de pessoas que, desesperadamente, procuram ser fortes, ter sucesso, ser
produtivas e, como nos sacrifícios do templo, chegam até mesmo, a oferecer a
destruição do melhor que poderiam ter e ser, em nome de um reconhecimento da
parte de Deus ou da parte dos outros!
É
essa ideia de Deus que O transforma num Deus tirano; que transforma a nossa fé
em religião e em meros preceitos e o irmão em adversário, como também
transforma a Palavra de Deus em dez preceitos que não libertam, mas escravizam.
Diante dessa ideia equivocada de Deus, Jesus, como derrubou as mesas dos
cambistas no templo, derruba o nosso coração, para libertá-lo e transformá-lo.
O
tempo da quaresma é tempo favorável para deixar que a força da Páscoa de Cristo
entre em nossos corações e derrube aqueles "mercados" que ocupam e se
apropriam do templo da nossa vida!
Hoje
somos convidados a deixar transparecer a Deus o que temos dentro de nós, de
fato, à luz da Sua Palavra. Igualmente, à luz da Sua Palavra, peçamos a coragem
da verdade para "derrubar" os nossos caminhos e métodos, "religiosamente
corretos", atrás dos quais, muitas vezes, se esconde a negligência às demandas mais básicas de justiça e honestidade
em nossas vidas, todos os dias.
Deixemos
que o Senhor derrube também e expulse os nossos "sinceros" momentos
de oração e de participação na vida da comunidade, mas que imediatamente
depois, permitem que difamemos os irmão, vivamos na mentira e sejamos
desonestos com Deus e com os outros.
O
mesmo Jesus que no templo derrubou e expulsou, quer hoje derrubar também as
prioridades de nossas vidas que, muitas vezes, escondem a nossa inércia e
indiferença diante dos irmãos irmãs mais pobres, débeis e doentes. Que Ele derrube
também nossa mentalidade mundana revestida de sentimentos evangélicos,
transformando-nos em "mestres" acomodados de compromissos
acomodantes, diante das inconveniências que, muitas vezes, o Evangelho nos apresenta.
Vem, Senhor, e com a Tua misericórdia e o teu amor, toca e derruba os nossos
corações.
(Frei Alfredo
Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano / https://www.facebook.com/inacianos).
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