(Reflexão
da Palavra de Deus na Liturgia da Quarta Feira de Cinzas)
Com a quarta-feira de cinzas
iniciamos o tempo da Quaresma. Trata-se de quarenta dias de reflexão, de escuta
atenta à Palavra de Deus, de olhar para a própria vida e atitudes e, como gente
que tem fé, confrontá-las com o projeto de Deus.
A Palavra de Deus no início desta
Quaresma, mais uma vez, nos propõe a prática da caridade, do jejum e da oração (Mt 6,1-6.6.16-18) que são de um lado,
o sinal concreto do desejo renovado dos fieis voltarem-se para o Senhor (Jl 2,12-18) e de outro lado, o fruto
da salvação realizada pelo Senhor a todos, sem exceção (2Cor 5, 20-6, 2).
O tempo quaresmal é, portanto, um
tempo especialmente favorável para viver a reconciliação que Deus quer oferecer
aos fieis através da missão do Filho.
As obras da quaresma apresentadas
no Evangelho, isto é, a caridade, o jejum e a oração são sinais de um combate espiritual.
Conscientes da necessidade da Graça divina somos chamados, neste tempo quaresmal,
ao combate espiritual como plena disposição à Graça que age na vida dos fieis. Somos,
portanto, chamados a aceitar o desafio dessa luta e a nela colaborar, com o
nosso esforço pessoal.
Atualmente, o combate espiritual
assume um significado especial, principalmente porque, de modo geral, perdeu-se
o sentido do pecado e do mal. Com isso, o que se perdeu, de fato, foi o sentido
do pecado como desvio da trajetória do projeto de Deus em nossas vidas.
Vivemos em meio a uma sociedade
que se sente no direito de fazer tudo o que quer para atender os seus desejos. Logo,
tudo o que se deseja torna-se lícito, apenas pelo simples fato de que seja um
desejo.
O relativismo ético gerou a
incapacidade de escolher. Não é mais necessário ter que escolher entre uma e
outra coisa, porque nos damos, automaticamente, a permissão para fazer as duas
coisas.
Nessa conjuntura, o combate
espiritual parece fora de lugar, parece não ter sentido. Principalmente quando
se sabe que a edificação e o crescimento de uma personalidade saudável e
madura, verdadeiramente humana, mesmo antes de ser cristã, passa justamente
pelo desenvolvimento da capacidade de escolha, pela compreensão do que seja
verdadeiramente a liberdade, a fim de exercê-la plenamente.
Percebemos então que se faz necessário
tomar distância das coisas que nos rodeiam, separar-nos um pouco de nós mesmos
para, com um olhar mais legítimo e abrangente, ter certeza de que nada está
sendo colocado no lugar de Deus. Porque se isso acontecer, teremos fabricado um
ídolo.
A abstinência dos alimentos que o
exercício quaresmal sugere como importante “arma” para essa luta nos ajuda a
recuperar a dimensão de comunhão que a refeição possui. Aliás, o ato de
alimentar-se deveria servir para partilhar a vida, para compartilhar a festa e
não para satisfazer com ganância a própria necessidade e devorar e possuir,
individualmente, tudo o que se torna objeto do desejo através dos olhos.
Comer é um ato de fazer-se junto
aos outros e, por conseguinte, com Deus, para render graças a Ele, justamente
como fazemos quando nos alimentamos na mesa da celebração da Eucaristia.
A esmola, melhor traduzida por
caridade, também é um gesto que nos leva a viver os bens juntos aos outros. Quem
compreendeu bem essa dimensão dos bens, saberá viver na liberdade porque terá
compreendido que o dinheiro não foi feito para ser acumulado com avareza, mas
pelo contrário, para ser partilhado, especialmente com os que foram privados de
uma vida digna por causa do empobrecimento e da injustiça. Nesse sentido, nos
ajudará a não esquecer que os bens que temos pertencem a Deus e, para se fazer
justiça, entender e trabalhar para que o seu destino seja universal.
Finalmente, a oração é um
exercício que nos ajuda não só a ouvir a Palavra de Deus e a dialogar com Ele,
mas também ajuda-nos a prevenir-nos do uso individualista do tempo. A maneira com
que se utiliza o tempo numa sociedade agitada e frenética nos leva a pensar que
o tempo dedicado à festa e ao descanso é desperdiçado com tantas coisas, haja
vista que o domingo, por exemplo, corre o risco de se tornar um dia como outro
qualquer, ainda mais quando o tempo dedicado à oração, ao louvor a Deus e ao
repouso é visto como uma perda de tempo porque, afinal, há outras e tantas
coisas mais importantes a fazer.
No Ano da Fé, de modo todo especial,
é necessário redescobrir como através das obras da Quaresma, isto é, do jejum,
da caridade e da oração, somos levados a re-qualificar radicalmente o sentido
de tudo aquilo que fazemos para voltar ao fundamento da nossa fé e empregar as
energias pessoais no relacionamento com Deus.
Um exercício recomendável é
confrontar a vida e as atitudes com o que diz a própria Palavra de Deus: “Amarás o Senhor, o teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e com todas as tuas forças (Dt 6,5). Contudo, como o
verdadeiro e saudável relacionamento com Deus passa também pelo relacionamento
com o próximo, exercitemo-nos também a partir da advertência que a mesma
Palavra de Deus nos faz: "Não
procure vingança, nem guarde rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um
o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19,18),
justamente como Jesus nos ensinou: "Ame
o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu
entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é
semelhante a este: Ame o seu próximo como a si mesmo. Destes dois
mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas" (Mt 22,37-40). (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA - Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br – www.inacianos.org.br).
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