Páginas


Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


santaluzia@hotmail.com.br

Fone (14) 3239-3045


sexta-feira, 26 de abril de 2013

DEUS É “AMAR”!


(Liturgia do Quinto Domingo da Páscoa)

“Nisto, todos conhecerão que sois meus discípulos”. Não sei qual é a experiência dos outros sacerdotes que preparam a pregação da Palavra de Deus na liturgia, mas para mim, especialmente neste Quinto Domingo da Páscoa, esta não é uma tarefa fácil.
A dificuldade não está no fato de que não se tenha o que dizer ou não se compreenda o seu conteúdo, mas está no fato de que, pensando nesse tempo em que vivemos, inclusive como Igreja local, falar de amor, de testemunho de amor, ou seja, falar de critério de pertença a Jesus Cristo e à Igreja, critério constituído unicamente pelo testemunho de amor é, de fato, algo difícil.
Todavia, a mensagem das leituras deste domingo não poderia deixar de focalizar aquilo que, no final das contas, é o essencial da identidade cristã. O amor!
Jesus, falando aos discípulos durante a última Ceia no Evangelho (Jo 13,31-33ª.34-35), revela-lhes que a Sua morte é o caminho para manifestar a glória de Deus. Depois, resume todos os mandamentos no novo mandamento, que consiste no amor ao próximo como Jesus fez, doando-Se até o fim. Adverte que o que fará com que sejam conhecidos como discípulos Seus será o seu modo de amar, assim como o Mestre amou.
Foi a obediência a esse novo mandamento que levou os discípulos a dedicar a vida ao anúncio de Jesus. Mas hoje todos falam do amor, sabem dizer palavras belíssimas sobre o que seria o amor em si, sobre como deveria ser visto o amor, como é preciso ser concebido a partir das novidades da modernidade. Quase todos pretendem ser mestres neste campo do amor e dos relacionamentos, inclusive, superficializando o que é profundo e simplificando o que é complexo.
Infelizmente, o amor, essa experiência do belo e do infinito de Deus que o ser humano pode fazer, tornou-se expressão comum nos lábios de todos.
Quem de nós já não teve a impressão de que, não raro, o amor se tornou algo banal, peça de publicidade com sentido muito mais exterior, com pouco espaço para algo, de fato, profundo?
É possível também observar na linguagem das pessoas do nosso tempo que o amor é visto somente como substantivo, e não também como verbo. Explico. Fala-se de amor, e nem tanto de amar.
Mas há uma enorme diferença nisso. Chama-se “passivização” do verbo. Ou melhor, se a linguagem apresenta a forma “passivizada”, a partir desse nível já se nota a direção da ação sugerida pelo verbo.
Diversas vezes fiz essa pergunta a um grupo de jovens com quem mantive um contato bem freqüente: “para vocês, o que é mais importante, amar ou ser amado”? Posso testemunhar que, com pouquíssimas exceções, de modo geral, por temor ou por falta de atenção, quase todos expressaram tranquilamente que o mais importante para eles é ser amados. Ou seja, o importante é o amor, não amar.
Essas tendências expressas acima são muito indicativas para a compreensão de tantas coisas tristes que acontecem atualmente.
Certamente, é possível perceber essa atitude em todos os tempos, inclusive no tempo em que Jesus viveu nesta terra. A atitude de Jesus sempre me toca: “Amai-vos uns aos outros, assim como/porque Eu vos amei”!
Isso é estranho! Mas, de acordo com a “compreensão” atual do amor a formulação não deveria ser, então: "Assim como eu vos amei, amai a MIM também”? Não! Jesus ama, não para ser amado! E eis o abismo entre as propostas deste mundo e as propostas de Deus!
Por outro lado, creio que é a partir dessa tendência que um mundo “criado” por nós torna-se sempre mais velho, entediante, finito, palco para a busca do sucesso e do reconhecimento a todo o custo.
Quando se pretende apenas reclamar e se "esquece" que se não existe um movimento de “circularidade” no amor, tudo se arruína, perde o frescor e torna-se monótono.
E quantas faces com estas características vemos hoje! Basta sair às ruas e não precisa muito esforço para ler certos rostos e descobrir o que está por trás daqueles olhos... Quanto vazio existe em seus corações!
E, então, mais do que nunca é necessário deixar ressoar com força a mensagem de Deus: “Eis que faço nova todas as coisas”! Quando Deus está presente na vida de alguém, o que se torna mais importante não é tanto o amor, mas, amar!
Ninguém sentirá mais necessidade de comprar nada para satisfazer-se e realizar-se, ninguém precisará mais atrair para si os holofotes da mídia para se destacar, ninguém mais precisará vilipendiar a boa fé das pessoas para se sentir importante, amado ou realizado, ninguém precisará mais chocar para mostrar algum conteúdo, porque descobrirá que Deus é capaz de preencher todos os vazios do coração com o que Ele é: o Amor. Aliás, a definição de Deus é o amor! “Deus é amor!”.
Aqui alguém poderia contra argumentar que nesta definição fundamental da fé cristã há contradição com o que disse acima, haja vista que a definição “Deus é amor” é baseada no substantivo e não no verbo.
Contudo, mesmo que em nossa língua seja destacada a dimensão passiva na expressão, para quem conhece um pouco que seja do grego, língua em que os evangelhos foram escritos, bem como os outros escritos do Novo Testamento, saberá muito bem que existem três termos para falar de amor.
Focalizemos apenas e de modo muito simples que na definição que o autor da Primeira Carta de São João dá de Deus, usa o temo “agape”, que significa amor doação e não, portanto, amor “recebimento”.
Por conseguinte, Deus é amor porque dá o amor. Por isso, talvez, seria melhor dizer “Deus é amar” ou “Ser Deus é amar”. Ou, para retomar a pergunta feita àqueles jovens: “para Deus, o que é mais importante não é tanto ser amado, mas amar.
Então, talvez, seja o caso de rever o nosso modo de pensar a vida. Talvez seja necessário perguntar-nos se a nossa capacidade de amar não precisa ser um pouco purificada e orientada. Porque o importante na vida, para que seja verdadeiramente plena e realizada, não é tanto o amor, mas amar.
Há mais alegria no dar do que no receber”! Que o Senhor nos ajude a entrar no fluxo divino da generosidade, e que a partir da visão do Apocalipse na segunda leitura (21,1-5ª) nos faça enxergar o ponto de chegada da humanidade, isto é, o amor. Trata-se da Nova Jerusalém que desce do céu como esposa pronta e fiel para o seu esposo. No final da caminhada da humanidade haverá esse encontro de amor, no qual o mal, sofrimento e nossas piores tendências egoístas serão vencidas para sempre, pelo amor! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.brwww.inacianos.org.br). 


sábado, 20 de abril de 2013

“NINGUÉM VAI ARRANCAR AS OVELHAS DAS MINHAS MÃOS”



(Liturgia do Quarto Domingo da Páscoa)

Todo os anos, neste quarto domingo da Páscoa celebramos o domingo do Bom Pastor.
É uma celebração que volta, mas Ele não volta porque, na verdade, nunca nos abandona! Pelo contrário, está sempre pronto a sustentar-nos, está bem perto de cada um de nós, conduzindo-nos de novo às pastagens da vida eterna e dando a cada um de nós a certeza inabalável de sermos amados.
Isso porque, desde o primeiro momento em que celebramos a luz da vitória pascal, no profundo mistério de nossos corações, nasce a necessidade de amar e ser amado.
A necessidade de amar e ser amado é o instinto primordial do homem, que o coloca em relação com seu semelhante. É isso também que dá à nossa vida diversos sentimentos tais como, paixões, desejos e expectativas etc.
O esposo, o pai, a mãe, o filho ou o amigo, enfim, cada pessoa que enche a nossa vida de significado é, ao mesmo tempo, sinal e limite de uma plenitude que todos aspiramos, mas que só Deus pode nos dar.  
Neste tempo da Páscoa, depois de termos sido confrontados com o Ressuscitado que aparece aos seus discípulos, e enche de novo a “rede de suas vidas”, hoje Ele aparece a cada um de nós através da imagem belíssima do Bom Pastor.
O Pastor e Suas ovelhas nos reportam, de fato, a um mundo distante que, justamente porque está longe, é trazido a nós para embelezar e a idealizar a vida.
Contudo, na verdade, sabemos que a vida de um pastor da Palestina nas areias do deserto de Judá não tinha nada de poético. Era rude, dura e às vezes, até mesmo perigosa.
No entanto, o que nos interessa é captar e acolher a paz e a ternura que exalam das palavras de Jesus num mundo subjugado pela lei do barulho e da agitação, da crise e da dispersão.
Quando se está acostumado a uma vida frenética, sujeita à tensões de todos os tipos, é difícil não desejar uma vida diferente, governada por outros ritmos, onde se reencontra uma paz que parece tão distante. A paz de quem sabe colocar-se em silêncio e escutar.
Nos poucos versículos do Evangelho de hoje (Jo 10,27-30), fala-se, de fato, de vozes e de escuta e, portanto, celebra-se indiretamente a importância do silêncio, levando-nos a pensar que sem o silêncio não se pode escutar.
Numa sociedade como a nossa, em que cada um é assediado quase a todo instante pelas palavras, chamadas no celular, câmeras de vigilância, imagens do facebook, toques do sms ou do twitter, infelizmente, até mesmo na igreja e durante a missa, é preciso redescobrir a importância do silêncio.
Principalmente neste tempo em que a maior parte dos políticos, por exemplo, parece escutar apenas a sua própria voz, muito mais até do que a voz dos apelos legítimos da sociedade, das exigências da verdade e da justiça, é preciso lembrar o que, de fato, significa deixar-se guiar por Quem, por amor a nós, não usa apenas palavras, mas dá a Sua própria vida.
Significa fazer a experiência de fazer tudo à nossa volta calar e deixar Deus falar. E, assim, é possível descobrir que Deus nos revela a Sua voz e que fala diretamente ao coração de cada um de nós, porque ama a cada um de modo pessoal.
É como a experiência de Madalena, de Tomé, dos dois discípulos de Emaús, de Pedro e de João; Ele fala a mim e me conhece.
O “conhecimento” na linguagem bíblica não deriva de um processo puramente intelectual, mas de uma “experiência”, de uma presença, necessariamente, fundada no amor.
O Bom Pastor não nos conhece formalmente, mas faz experiência de nós, conosco, de mim, comigo. Ele dá a mim a “vida eterna”, portanto, não só a vida física, nem somente a vida além da morte, mas a participação na sua própria vida do Seu ser Filho de Deus.
Eis aí a grande mensagem da Páscoa, confirmada pela segunda leitura do Apocalipse (Ap 7,9.14b-17). Trata-se do Pastor que se fez Cordeiro por amor a nós, ligado de tal modo à nossa humanidade, a ponto de não poder abandoná-la jamais.
As suas mãos estão unidas a nós muito mais fortemente do que estavam pregadas na cruz e ninguém nunca poderá arrebatá-las, isto é, separar-nos Pai. “Ninguém as arrebatará da minha mão”: Ninguém, nem os anjos, nem os homens, nem a vida, nem a morte, nem o presente, nem o futuro, nada jamais poderá nos separar do amor de Cristo, confirma o Apóstolo Paulo (Rm 8,38).
A força e a consolação desta palavra absoluta, isto é, “ninguém”, é rapidamente ligada a “arrebatará”. O verbo não está no presente, mas no futuro, indicando uma história completa, longa, assim como o tempo de Deus.
O homem constitui uma “paixão” para Deus, a ponto de atravessar a eternidade. “Ninguém as arrebatará da minha mão”; “ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai”. Trata-se das mãos que saíram do céu e que lançaram os fundamentos da Terra, mãos do oleiro sobre a argila, mãos do Criador sobre Adão adormecido para dar vida à Eva. São mãos e braços abertos pregados na cruz para o abraço que nunca mais terá fim. Ninguém nos separará dessas mãos!
São palavras de coragem, sobretudo nos momentos de provação e de sofrimento. É a experiência dos tantos testemunhos de fé de que fala o livro do Apocalipse.
Uma imensa multidão proveniente de todos os povos. São testemunhos em pé, portanto, como o Cordeiro, diante do Cordeiro, isto é, em relação com Cristo, envoltas em vestes brancas, portanto, participantes da ressurreição e trazem palmas nas mãos, sinal da vitória sobre o mal e da plenitude da vida.
Sublinhemos essa particular “lavagem” das vestes dessa multidão, isto é, vestes que permanecem cândidas, brancas e puras, embora tenham passado pela cor vermelha do sangue do Cordeiro que é Cristo. É o grande sinal de que, se nos entregamos, de fato e totalmente a Deus, a grande provação da dor pode tornar-se uma porta para a alegria da visão de Deus. Isso mesmo, como crianças nos agarrando fortemente naquela mão que nunca nos deixará cair.
Quanto a isso é Santo Agostinho que, no seu comentário sobre o Salmo 39 nos tranqüiliza e ao mesmo tempo nos adverte: "O Senhor cuida de ti, fique tranqüilo. Aquele que te fez te sustent; não caia jamais da mão do teu criador. Se caíres das mãos do teu Criador, te esmagarás. Sim, nas tuas mãos entrego minha vida". Então, o próprio Deus virá ao nosso encontro enxugando as lágrimas dos nossos olhos.
Que Desça, então, sobre cada um de nós, essa antiga bênção irlandesa. "Que o caminho se estenda sempre diante de ti! Que o vento sopre nos seus ombros e que o orvalho molhe a relva sobre a qual pousas teus passos. Que o sorriso brilhe em teu rosto e o céu te cubra de bênçãos. Que uma mão amiga possa enxugar as tuas lágrimas na hora da dor. Que o Senhor Deus possa segurar-te na palma de Sua mão, até o nosso próximo encontro”. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.brwww.inacianos.org.br). 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

É O SENHOR!


(Liturgia do Terceiro Domingo da Páscoa)

Neste Terceiro Domingo da Páscoa da Ressurreição do Senhor, creio que a primeira consideração a fazer, a partir das leituras sugeridas pela liturgia, diz respeito à dificuldade que temos para crer! No domingo passado foi Tomé quem nos ajudou a compreender essa realidade.
Contudo, mesmo diante da nossa dificuldade, Jesus se manifesta! Sempre de novo! Aliás, a manifestação de Jesus no Evangelho de hoje é realizada pela terceira vez e, certamente, não é a última. Antes, havia se manifestado às mulheres, depois, por duas vezes, manifestou-se no cenáculo.
Nessa fase pós-pascal, os discípulos precisavam ser confirmados na fé. Hoje podemos perceber que Deus nunca rejeita um pedido a partir de uma dificuldade de crer, se tal dificuldade estiver unida ou for oriunda de um desejo sincero, e não de um desafio soberbo à Sua divindade!
A manifestação deste Terceiro Domingo se dá no lago de Tiberíades. Depois ainda se manifestará aos dois discípulos de Emaús. A certeza transmitida por esses eventos é esta: o Senhor ressuscitou! Quer dizer que está vivo e, ressuscitado, ainda hoje se manifesta, e se manifestará sempre de novo diante de qualquer desejo sincero que brota do coração de quem quer crer n’Ele.
Jesus, na verdade, não brinca de “esconde esconde” conosco, como quem, ora aparece, ora desaparece. Por que um Deus que, desde o início dos tempos quer relacionar-se conosco, deveria se esconder? Um Deus que, na plenitude dos tempos, se manifestou concretamente em nossa carne humana? Por que deveria se esconder um Deus que nos salvou e manifestou o Seu amor assumindo no Seu corpo humano todo o sofrimento que o corpo humano pode suportar, mostrando-se com os sinais da Paixão no Seu verdadeiro corpo ressuscitado no dia da Páscoa? Agora que Jesus ressuscitou, por que Deus deveria negar deixar-se ver aos que procuram imitar na vida as suas atitudes e aos que desejam seguí-Lo?
Nós existimos mediante um corpo e o nosso corpo é feito para interagir com a realidade através dos nossos sentidos. É por isso que o ser humano tem um desejo profundo de ver, sentir, tocar.
De fato, acabamos de constatar essa realidade na Palavra proclamada no domingo passado, através da frustração e da pretensão que Tomé tinha: “se eu não vir... se eu não tocar...”.
 De vez em quando constatamos a mesma necessidade de Tomé em nossa própria vida. A mesma tentação dos que compareceram na sexta feira da Paixão no Calvário, parece também, de vez em quando, atingir o centro da nossa fé: “Desce da Cruz e acreditaremos em ti”. Mas, uma vez que o Cordeiro foi imolado, nós não vemos Deus daquela mesma forma!
O que queremos e buscamos, na verdade, é ver um Deus que afirma a Sua presença e o Seu poder através de “efeitos especiais”. É uma lógica que quase chega a seguir as exigências da alta tecnologia do cinema nas apresentações em 3D. Aliás, as manifestações em três dimensões já não são mais suficientes. A tecnologia cinematográfica já prepara o desenvolvimento necessário da tecnologia para as exibições em 4D. As megaproduções hollywoodianas já estão trabalhando em filmagens que envolverão todos os sentidos do espectador.  
Mas Deus não é adepto dos efeitos especiais, mesmo que tenha nos criado com a necessidade que o corpo tem de experimentar a realidade através dos sentidos. Não.
Eu, João, vi e ouvi a voz de numerosos anjos, que estavam em volta do trono, e dos Seres vivos e dos Anciãos”, proclama o Apocalipse de São João na primeira leitura (5,11-14).
Ora, se a vida é feita de experiências, a ressurreição também é e, como a relação com o outro, a relação com Deus também é validada pelo vê-Lo, ouvi-Lo, tocá-Lo. Não devemos contentar-nos apenas em acreditar que Deus exista. Isso, de fato, não seria crer! Não seria fé!
Fazer experiência é, portanto, imprescindível para uma fé que nos leve ao relacionamento com Deus.
Quando essa experiência não acontece, nossa “fé” é tímida e medrosa, nossa esperança é fraca e o nosso testemunho do amor, é morno e opaco.
De fato, uma coisa é crer que o amor existe, e outra coisa, muito diferente, é fazer a experiência de viver o amor, de estar apaixonado!
Devemos ousar mais! Muito mais! Não podemos desistir de ver, ouvir e tocar Deus. Pelo contrário, procuremos fazer uma experiência profunda e verdadeira de Deus. Trata-se de provar e “degustar” o seu amor! Caso contrário, de quais fatos nós seremos testemunhas como o foi Pedro e os demais, de acordo com a primeira leitura (At 5,27b-32. 40b-41)? Ou, como poderíamos dizer: “Transformastes o meu pranto em uma festa” como reza o salmista (Sl 29), se não fizermos a experiência da Páscoa?
Já dissemos que Deus não é adepto de efeitos especiais como os do filme em 3D ou do futuro 4D. Ele se manifesta de modo simples, imprevisível e autêntico, dando-Se a conhecer sempre de modo novo e diferente, ainda que seja sempre o mesmo!
E, porque Jesus se manifesta, é preciso reconhecê-lo! “Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor! Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar, como proclama o Evangelho (Jo 21, 1-19).
A constatação de João e a atitude imediata de Pedro de atirar-se na água tem muito a nos dizer. Quer dizer, por exemplo, que não é possível viver uma fé que não acende e ilumina as nossas relações. Denunciam que não é esperança verdadeira limitar-se aos ritos apenas, mas que não aquecem a vida.
Chega de um tipo de caridade não “assa peixe” e não leva os demais a trazerem um pouco do que “pescam” para saborear peixe assado! Não é mais possível continuar a pescar com “efeitos especiais” que, na verdade, não “pescam” nada, mas apenas vislumbram e empolgam! É urgente querer e buscar encher as redes fazendo a experiência de “atirar-se no mar” obedecendo a Palavra de Deus e o ensinamento de Pedro. É preciso escutar a voz do Senhor que pergunta também a cada um de nós se o amamos, não obstante as muitas vezes que o renegamos, assim como também o fez o próprio Pedro.
Ouçamos a Sua voz que nos confirma no seu amor. Sigamos o Ressuscitado, não com as nossas próprias forças, mas com a experiência e com a força do Seu Amor. Reconheçamos a Sua presença manifestada nesta Eucaristia; nos sacerdotes que pregam e que nos fazem escutar as Suas Palavras. Vamos reconhecê-Lo no irmão e na irmã, no próximo; nesta paróquia, nesta Igreja, no Papa, nos seus ministros, e acima de tudo, na normalidade e no quotidiano imprevisível.
Mesmo nos momentos mais difíceis, no trabalho e na família Ele se faz presente e espera que O reconheçamos!
A razão de ser do cristão e o que o faz, não só levar o nome, como nos ensina Santo Inácio, Mártir, mas o ser, de fato, não é uma vida caracterizada pelo bem estar e pela ausência de problemas, crises ou dificuldades.
Uma vida autenticamente cristã é caracteriza pela Sua presença que se manifesta na vida de cada pessoa humana. É nessa experiência que podemos encontrá-Lo e reconhecer a nossa semelhança com Ele, através da bondade, do amor, da verdade e do perdão. Então poderemos dizer como Pedro: “Senhor, tu sabes tudo! Tu sabes que eu te amo”!
Ele não exige que prometamos como Pedro um dia fez: “Eu te seguirei, Senhor, aonde quer que vá”! Aliás, sabemos muito bem como terminam esses propósitos que já fizemos tantas vezes e com tanta convicção.
Digamos apenas, eu te seguirei, Senhor. Apenas isso! Mesmo que seja sem palavras, mas com as nossas atitudes. O Senhor sabe de tudo o que precisamos, e Ele preparará para nós, de acordo com a nossa “fome”, o banquete que precisamos, seja com peixes sobre as brasas ou com o Seu perdão, Sua bênção e Sua paz. Ele se fará presente! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.brwww.inacianos.org.br). 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

A PAZ ESTEJA CONVOSCO


(Liturgia do Segundo domingo da Páscoa)

“Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles”. É impossível não atualizar espontaneamente a página do Evangelho de hoje (Jo 20,19-31). Justamente porque oito dias depois da Páscoa os cristãos se reúnem de novo na Igreja. Passou-se oito dias, que para a liturgia são como um único dia, isto é, o grande dia da Páscoa.
Depois de termos vivido os intensos ritos da Semana Santa, retomamos as nossas atividades normais, a vida em família, o trabalho etc.
Mas, como tudo é muito recente, principalmente tudo o que nos preparou para a Páscoa e a própria celebração da Páscoa, nos permite uma pergunta, apenas uma semana depois. O que permaneceu em nós, de tudo o que celebramos? O que, da Páscoa, de fato, ficou em nós? A luz da Páscoa abriu em nós um novo espaço, livre pela fé, pela esperança, para amar com um dinamismo renovado?
Já na primeira semana depois, é possível colocar a força da Páscoa em nós, à prova. Porque a verdade dos ritos que celebramos, só é possível verificar no dia a dia vida. Porque é o quotidiano que coloca à prova a nossa fé em Jesus ressuscitado.
Como é possível crer na vitória da vida sobre a morte quando a maior parte das pessoas pensa egoisticamente sobre si mesmas? Como é possível crer, quando parece que a satisfação das necessidades da vida só podem ser satisfeitas pelo ato de consumir sempre mais, ignorando que o meu próximo, talvez, mal está conseguindo sobreviver? Como é possível crer quando o cansaço, o medo e a falta de confiança é que guiam as nossas atitudes?
“Oito dias depois... Tomé estava com os demais discípulos”. É preciso repetir a notícia porque cada um de nós que retorna à igreja oito dias depois para celebrar sempre de novo a Páscoa, traz dentro de si os traços de Tomé.
Ele queria ver e tocar aquele Jesus que tinha visto, de longe, pregado na Cruz. Nós, talvez, mesmo sem verbalizar, podemos questionar para que nos serve crer no Senhor Ressuscitado, se isso não produz efeitos concretos em nossas vidas e na vida das pessoas com quem convivemos?  Pode ser que, assim como Tomé, estejamos à espera de alguém que nos dê uma resposta satisfatória.
Na verdade, são as leituras deste Segundo Domingo de Páscoa é que podem nos ajudar a mudar o nosso modo de entender o que é a Ressurreição e o que significa, de fato, a fé no Ressuscitado.
Maria tinha ido ao sepulcro e o havia encontrado vazio. Pedro e João constataram. Os demais discípulos, porém, ainda estavam imersos nas sombras do medo e da desilusão. É nesse contexto que Jesus se faz presente de maneira totalmente inesperada, e os saúda com o dom da Paz.
Jesus os reconhece novamente como pessoas dignas de amizade e de estima, mesmo que o tenham abandonado nos momentos em que mais precisava que eles fossem amigos e fiéis, na Sua Paixão.  Depois que permitiu ser reconhecido com os sinais da morte, envia-os para levar aos outros o anúncio do Ressuscitado, e sopra sobre eles o Espírito. Trata-se do sopro divino, como aquele do Criador que dá vida nova, para que possam perdoar os pecados, levando a vida do Ressuscitado onde há morte.
Neste quadro, portanto, a ressurreição é Jesus fazendo-se presente vivo no meio dos seus; ressurreição é Jesus reatando com eles a aliança, encarregando-os de continuar a sua própria missão.
Lançando um olhar mais profundo para o antes e o depois da vida dos discípulos, é impossível não constatar que a fé no Ressuscitado produz uma grande transformação que, na realidade, constitui a passagem do medo inicial à alegria que nasce ao ver Jesus e se exprime também no ato de darem, depois, o testemunho desse encontro a Tomé que não estava presente no primeiro encontro.
Pobre Tomé! É tradicionalmente visto como o símbolo da pessoa cética, daquele que crê somente naquilo que vê. Mas o que fizeram de diferente os outros discípulos? Eles viram e acreditaram! E Tomé quer fazer exatamente a mesma coisa!
De fato, Tomé não é melhor nem pior do que os outros discípulos, mas representa, ou melhor, personifica a dificuldade de crer, que há em todos nós, que convive lado a lado com a fé sincera e que não é vencida uma vez por todas mas, pelo contrário, que volta e meia nos rodeia e nos “cutuca”.
Tomé simboliza a nossa necessidade de provas evidentes, que nos ajuda a evitar o problema da parcialidade, da visão nublada e também do problema que é confiar numa promessa que ainda não se cumpriu. Portanto, é Tomé quem torna evidente o difícil caminho da fé em Jesus Ressuscitado.
O fato de Jesus estar vivo é tão sério, que Ele se mostra aos seus discípulos uma segunda vez, oito dias depois, quando dá, mais uma vez, a Sua paz, porque sabe que temos necessidade dela sempre novamente. É tão importante que Ele dedica-se, desta vez, inteiramente a Tomé. Parece até que nesse momento até se esquece dos outros dez, exatamente como o pastor que se preocupa com aquela única ovelha perdida.
Jesus não despreza a necessidade que Tomé tem de tocá-Lo! Oferece-lhe as mãos e o lado.
Mas ver Jesus já é o bastante para Tomé! Isto é, aquilo que faz com que ele creia, o que o leva a ter fé é ver que Jesus está ali por ele, que não o reprovará pela falta de fé, que o ama assim como ele é. É dessa experiência que nasce a belíssima profissão de fé que nós repetimos tantas vezes: “Meu Senhor e meu Deus”!
Mas Jesus não se fez presente entre os seus somente por causa de Tomé. Ele cuida e se preocupa também de todos os que viriam depois dos primeiros discípulos, para os quais a fé nasceria só pelo ouvir os depoimentos das primeiras testemunhas oculares. É para eles, ou melhor, para nós, que Jesus diz: “Bem aventurados os que creram sem terem visto”!
A ressurreição é Jesus vivo no meio dos seus discípulos, presente na comunidade dos que n’Ele crêem. É Jesus que lembra até dos que um dia virão a crer, inclusive daqueles que, como Tomé, não estão presentes e, por isso mesmo, tem e terão mais dificuldade para crer.
O ato de crer na ressurreição e ou no Ressuscitado não depende de “ver e tocar Jesus”. É dar crédito ao testemunho daqueles que, tendo-O encontrado, mudaram as suas próprias vidas, passando do medo à alegria, da incredulidade à fé!
As testemunhas viram os sinais que Jesus realizou e, a partir da ressurreição, O descobriram como sinal da vitória da vida sobre a morte e, por isso mesmo, deixaram o testemunho por escrito nos Evangelhos que, às vezes, levamos em procissão e beijamos depois da leitura, com toda reverência, não ao livro de papel exatamente, mas ao Ressuscitado que ele “contém”.
Jesus não aparece mais visivelmente a nós hoje, mas temos o Evangelho que guarda a memória dos seus sinais e das suas palavras. Temos a Eucaristia que contém e comunica o sentido da Sua morte e da Sua vida; temos o mandamento novo do amor que nos distingue dos demais e nos identifica como aqueles que conheceram Jesus Ressuscitado!
Hoje também a ressurreição continua a acontecer. É por isso que a fé dos discípulos e de Tomé pode nascer e viver em nós. Hoje também o nosso jeito de viver, na família, no trabalho, nos diversos meios sociais e eclesiais pode fazer a diferença, assim como a passagem de Pedro fazia a diferença, a ponto de muitos buscarem, nem que fosse tocar a sua sombra, como nos revelou hoje a primeira leitura (At 5,12-16). A ressurreição aconteceu historicamente, mas não pode ser “vista” e compreendida, senão através da transformação que é capaz de acontecer em nós, quando passamos da desconfiança à força da fé, do desespero à coragem e do egoísmo à abertura na direção dos outros. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.br – www.inacianos.org.br).